A história política é repleta de senões e detalhes é preciso ficar
atento a eles. Há uma cena que sempre me vem à mente quando o caso do
mensalão volta à tona. Ao fim da entrevista do presidente Lula com os
“blogueiros sujos” foi sugerida uma foto oficial. Antes de fazê-la,
senti Lula pegando-me pelo braço e ao mesmo tempo dizendo: “Deixa eu
dizer uma coisa, deixa eu dizer uma coisa…”, o que fez com que os
“sujos” se reunissem em torno dele. Sem que ninguém tivesse tocado no
assunto, disparou. “Uma coisa que quero combinar com vocês é que depois
que eu desencarnar vou contar tudo o que sei dessa história do mensalão.
Sabem por quê? Porque o Zé Dirceu pode ter muitos defeitos, mas o que
fizeram com ele nessa história foi um absurdo… Depois de desencarnar,
quero dar uma entrevista para vocês para falar disso, combinado?”
Dito isto, falou: “Cadê o cloaquinha, vem cá cloaquinha, fica do meu lado”. Foi quando foi tirada a foto abaixo.
Hoje depois de ler algumas matérias relacionando o caso Demóstenes e
Cachoeira ao episódio do mensalão, recordei-me de uma reportagem
publicada no Jornal Nacional em março de 2004, mais precisamente no dia
30 de março.
Ela trazia o conteúdo de um grampo que envolvia Carlinhos Cachoeira e
o subprocurador da República, José Roberto Santoro. Aliás, o mesmo
subprocurador do famoso Caso Lunus, que atropelou a candidatura de
Roseana Sarney.
Não estou aqui a fazer insinuações nem ilações. Mas nesse grampo da
época Santoro diz textualmente como o leitor poderá ver mais abaixo,
que:
“Ele (Cláudio Fontelles, procurador à época) vai chegar aqui e vai
dizer o sacana do Santoro resolveu acabar com o governo do PT, e pra
isso arrumou um jornalista (Mino Pedrosa, da Veja), juntaram-se com um
bicheiro, e resolveram na calada da noite tomar depoimento. Não foi nem
durante o dia, foi às 3h da manhã. (…) Ele vai vir aqui, e vai ver,
tomando um depoimento pra, desculpe a expressão, pra ferrar o chefe da
Casa Civil da Presidência da República, o homem mais poderoso do
governo, ou seja, pra derrubar o governo Lula.”
Foi a partir desse episódio de Waldomiro Diniz que José Dirceu começou a cair.
Mais à frente, outro grampo, neste caso de Maurício Marinho, diretor
dos Correios, publicado pela Revista Veja, detonou o escândalo do
Mensalão. Roberto Jefferson, então presidente do partido de Marinho, o
PTB, resolveu sair atirando e afirmando que o esquema tinha relação com
uma mesada para deputados federais.
E escolheu José Dirceu como alvo.
A revelação de que Demóstenes era quase como um “sócio” de Cachoeira e
de que o caso está na gaveta do procurador Roberto Gurgel desde 2009
são elementos suficientes para que essa história do mensalão comece a
ser relida a partir de outros ângulos. Um deles:
“Quem armou para arrancar Zé Dirceu do governo Lula?”
Segue a degravação do JN do dia 20 de março, que revela depoimento de
Cachoeira ao subprocurador da República José Roberto Santoro, antes de o
caso se tornar um escândalo. Ao ler essa degravação a luz dos novos
acontecimentos o leitor talvez imagine o tamanho da pulga que está atrás
da orelha deste blogueiro sujo.
APRESENTADORA FÁTIMA BERNARDES : Surge uma nova fita do caso
Waldomiro Diniz. Ela registra um depoimento extra-oficial que o dono de
casas de jogos, Carlos Cachoeira, prestou ao subprocurador da República,
José Roberto Santoro, antes de o escândalo vir a público pela revista
Época.
APRESENTADOR WILLIAM BONNER : O objetivo do subprocurador era obter
oficialmente, de Cachoeira, a fita em que Waldomiro pede dinheiro a ele.
O depoimento teria durado quatro horas, mas somente 28 minutos foram
gravados.
APRESENTADORA FÁTIMA BERNARDES : O Jornal Nacional obteve a fita,
sábado passado, de um intermediário que se disse a mando de Carlos
Cachoeira. Ao investigarmos o intermediário, constatamos que ele, de
fato, tinha relações próximas com Cachoeira. A fita foi levada à
perícia, que atestou que ela não apresentava montagem.
APRESENTADOR WILLIAM BONNER : Ontem, a Procuradoria da República, ao
oferecer denúncia no caso do contrato da G-Tech com a Caixa, pediu o
perdão judicial para Carlos Cachoeira, com a alegação de que ele estaria
colaborando com a Justiça. Hoje, quando o Jornal Nacional finalmente
conseguiu falar com Cachoeira, ele negou ser o autor da gravação, como o
intermediário tinha dito. E disse nada saber sobre ela. O intermediário
não soube explicar a atitude de Cachoeira.
APRESENTADORA FÁTIMA BERNARDES : Como a fita foi aprovada pela
perícia, o Jornal Nacional decidiu divulgá-la. Procedendo assim,
considera que está contribuindo para a elucidação de todos os aspectos
que o escândalo tem. A fita teria sido gravada, segundo o intermediário,
na noite do dia 12 de fevereiro. O procurador Santoro admite que os
diálogos existiram, mas disse que o depoimento ocorreu no dia 8 de
fevereiro. Dele, participaram, além de Santoro e Cachoeira, o procurador
Marcelo Serra Azul, um delegado da Polícia Federal, Jácomo Santoro, um
advogado de Cachoeira e a mulher dele.
APRESENTADOR WILLIAM BONNER : Na fita, o procurador Santoro se mostra
preocupado com o adiantado da hora. Eram 3h da manhã. Diz a Cachoeira
que seu superior hierárquico, o procurador Cláudio Fontelles, costuma
chegar cedo ao trabalho. Que se o encontrasse ali, poderia estranhar a
reunião e veria um subprocurador geral da República empenhado em
derrubar o governo do PT.
REPÓRTER : A fita foi examinada pelo perito Ricardo Molina. No laudo,
ele certifica que a gravação não apresenta indícios de montagem. O
subprocurador José Roberto Santoro ouviu o depoimento de Cachoeira e
pediu que ele entregasse a fita de vídeo em que o ex-assessor do Palácio
do Planalto, Waldomiro Diniz, aparece pedindo propina, porque, segundo
ele, seria uma prova lícita.
GRAVAÇÃO:
SANTORO : Faz o seguinte: entrega a fita, não depõe, diz que vai depor mais tarde pra ver o que que aconteceu, porque aí você acautela que você colaborou com a Justiça, entregou a fita, acautelou prova lícita o cacete a quatro. Então. E aí vem o cafofo
REPÓRTER : A fita de vídeo, a que se referia o subprocurador, foi gravada por Cachoeira em 2002.
GRAVAÇÃO:
Um por cento.
No total?
REPÓRTER : O subprocurador já tinha uma cópia dessa gravação, que
segundo ele havia sido entregue pelo senador Antero Paes de Barros, do
PSDB de Mato Grosso, mas queria uma cópia do próprio Cachoeira. Ele,
porém, durante horas recusou-se a entregar espontaneamente a gravação.
Como alternativa, Cachoeira propôs que a Polícia Federal fizesse uma
busca para apreender a fita.
GRAVAÇÃO:
CACHOEIRA: Eu entrego o endereço, entrego tudo… Combino o local.
SANTORO: Você sabe o que vai acontecer com essa fita?
CACHOEIRA: Ham?
SANTORO: A busca e apreensão vai ser feita pela Polícia Federal, a Polícia Federal vai lá bater. É isso? A primeira coisa que vai ser, vai ser periciada e a primeira pessoa que vai ter acesso a essa fita é o Lacerda, o segundo é o ministro da Justiça e o terceiro é o Zé Dirceu. E o quarto o presidente.
CACHOEIRA: Ah, é desse jeito?
REPÓRTER : Em vários trechos da fita, Santoro procura encerrar logo a
conversa. Diz que quer evitar o encontro com o procurador geral da
República, superior dele. No diálogo, Santoro diz que o procurador
poderia ver motivações políticas na investigação realizada naquelas
condições.
GRAVAÇÃO:
SANTORO: Daqui a pouco o Procurador Geral vai dizer assim, porra, você tá perseguindo o governo que me nomeou Procurador Geral, Santoro, que sacanagem é essa? Você tá querendo ferrar o assessor do Zé Dirceu, o que que você tem a ver com isso aí eu vou dizer: não, eu não tenho nada, tô ajudando, porra, ajudando como, você é um subprocurador Geral, você não tem que ficar na madrugada na Procuradoria tomando depoimento dos outros.
CACHOEIRA: É claro.
SANTORO: Ele vai chegar aqui e vai dizer o sacana do Santoro resolveu acabar com o governo do PT, e pra isso arrumou um jornalista, juntaram-se com um bicheiro, e resolveram na calada da noite tomar depoimento. Não foi nem durante o dia, foi às 3h da manhã.
REPÓRTER :O jornalista a que se refere Santoro é Mino Pedrosa, dono
de uma empresa de comunicação e que foi assessor de Cachoeira. Num
diálogo, fica claro que Pedrosa foi uma das duas pessoas que tiveram
acesso à fita com a conversa entre Waldomiro e Cachoeira. Em outro
trecho, Santoro volta a mostrar preocupação com o tempo.
GRAVAÇÃO:
SANTORO: Daqui a pouco o Procurador Geral chega, que ele chega 6h da manhã. Ele vai ver o carro, ele vai vir aqui na minha sala. Ele vai vir aqui, e vai ver, tomando um depoimento pra, desculpe a expressão, pra ferrar o chefe da Casa Civil da Presidência da República, o homem mais poderoso do governo, ou seja, pra derrubar o governo Lula. A primeira coisa que ele vai dizer é o seguinte,o Santoro é meu inimigo, porque ele podia, como meu amigo, ter ligado pra mim e ter dito assim, olha, vai dar porcaria pro Zé Dirceu”. E eu não fiz isso. Não vou fazer mais, por quê? Porque chega. (ouviram?)
REPÓRTER : E adiante, mais uma vez, revela preocupação com a possibilidade da chegada do procurador geral, Claudio Fonteles.
GRAVAÇÃO:
SANTORO: Ó, estourou o meu limite, daqui a pouco o Cláudio chega, chega às 6h da manhã, vai ver teu carro na garagem, vai ser o que tem e vai ver um subprocurador geral empenhado em derrubar o governo do PT , você vê,3h da manhã, bicho…
REPÓRTER : O subprocurador José Roberto Santoro reconheceu que a
conversa existiu, mas disse que a gravação é só de uma parte do diálogo,
e que esse trecho está fora de contexto. José Roberto Santoro, o
depoimento foi marcado à noite porque esse foi o horário escolhido por
Carlinhos Cachoeira. Os outros depoimentos dados por ele também foram à
noite. Sobre os trechos em que fala das conseqüências políticas e da
possível reação do procurador-geral, Santoro disse que isso foi uma
forma de pressionar Cachoeira, já que era tarde e ele se recusava a
entregar a fita ou dar um depoimento consistente.
O subprocurador disse que insistiu para receber a fita de Cachoeira, porque a Justiça poderia ter dúvidas sobre a validade da cópia entregue pelo senador Antero Paes de Barros.
APRESENTADORA FÁTIMA BERNARDES :O procurador geral da República,
Cláudio Fontelles, disse que não iria se manifestar porque, pela
Constituição, todos os integrantes do Ministério Público têm autonomia e
independência funcional. O jornalista Mino Pedrosa disse que teve
acesso à fita, mas que devolveu a Cachoeira sem ter feito cópia ou ter
entregue a gravação a outra pessoa.
APRESENTADOR WILLIAM BONNER : A revista Época, editada pela Editora
Globo, informou que obteve a fita do senador Antero de Barros no dia 4
de fevereiro e que imediatamente mandou fazer uma perícia nela.
Constatada a ausência de fraude, a revista ouviu os envolvidos. E
obteve, em entrevista, a confissão de Waldomiro Diniz de que, de fato,
tinha pedido dinheiro a Carlos Cachoeira para campanhas eleitorais e
propina para um amigo. Diante disso, a revista Época publicou a
reportagem que revelou ao Brasil o escândalo Waldomiro – como agora o
caso é chamado – e cumpriu seu dever com os leitores e com o país, sua
única motivação.
APRESENTADORA FÁTIMA BERNARDES : A direção da Caixa Econômica Federal
entrou com representação no Ministério Público Federal, questionando o
trabalho feito pelo procurador Marcelo Serra Azul no inquérito que
investigou a renovação de contrato entre a Caixa e a GTech, empresa
americana que opera o sistema de loterias no Brasil. O inquérito
denunciou o presidente da Caixa, Jorge Mattoso, por gestão fraudulenta e
corrupção na negociação de renovação do contrato. Jorge Mattoso negou
que vá se afastar do cargo ou demitir funcionários também denunciados
pelo promotor.
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