Que a pedofilia encontra no Brasil um terreno fértil com muitos
seguidores, isso é sabido. Imaginem o que seria desta nossa sociedade
patriarcal e machista sem as revistas masculinas que transformam moças
de 18 anos em meninas de 12?
Afinal de contas, se tem peito e bunda, se tem corpo de mulher, está
pronta para o sexo, não é mesmo? E se está pronta para o sexo, por que
não ganhar uns trocados para ajudar no orçamento familiar?
Ao julgar o caso de um homem acusado de estuprar três meninas de 12
anos, a Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou que
ele não cometeu crime porque as meninas já eram prostitutas. “As vítimas
(…) já estavam longe de serem inocentes, ingênuas, inconscientes e
desinformadas a respeito do sexo. Embora imoral e reprovável a conduta
praticada pelo réu, não restaram configurados os tipos penais pelos
quais foi denunciado”, afirmava o acórdão.
O STJ considerou o artigo 224 do Código Penal que, na época do
ocorrido, considerava que o crime deveria ser cometido mediante
violência – já presumível, a bem da verdade, quando se tratava de
pessoas com menos de 14 anos. O artigo foi alterado há três anos,
deixando mais claro que violência não se faz mais necessária. A
ministra-chefe da Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da
República, Maria do Rosário, afirmou que o governo vai buscar tomar
medidas judiciais cabíveis.
Essa discussão não é sobre o direito da mulher ao seu corpo (que
deveria ser inquestionável e protegido contra qualquer tipo de
idiotice), mas de defender que crianças e adolescentes não sejam
abocanhados pelo mercado do sexo. Não estou discutindo o sexo dos
adolescentes, mas sim o seu uso comercial. Muito menos a legalidade da
prostituição (e enquanto se discutia isso, mulheres que trabalhavam
pesado a vida inteira sofreram na velhice, desamparadas e
desassistidas). Estamos falando de meninas de 12 anos que podem até não
ter sido empurradas para essa condição por pressão familiar, mas
sofreram influência externa sobre sua sexualidade – da TV, dos amigos,
de vizinhos, de ofertas irrecusáveis de bens materiais ou dinheiro, que
atiçaram desejos ou fantasias sobre si mesmas e o mundo.
Por isso, a decisão de entrar no mercado de sexo antes de determinada
idade não é individual e não pode ser. O Estado e a sociedade vão
tutelar essa criança até que ela tenha maturidade para tanto. E quando
isso ocorre? A idade de 14 anos para estupro presumível em caso de
relações sexuais é um referencial. Bem como o trabalho a partir dos 14
(no caso de aprendiz) também o é. Mas é um referencial imporante. É uma
marca que garante um certo número de anos para os mais jovens se
desenvolverem, sendo protegidos, antes de cair na selva. Nos separa,
portanto, da barbárie de ter que lutar pela sobrevivência desde cedo.
É claro que o tipo de pessoa que enxerga apenas a parte externa
ignora um processo de formação interna da jovem ou do jovem, que é
irremediavelmente prejudicado quando ele é despido de sua dignidade.
Nunca vou esquecer a patética intervenção do nobre vereador
paulistano Agnaldo Timóteo a favor da exploração sexual juvenil há cinco
anos. Em um discurso na Câmara, ele disse que o visitante que vem ao
país atrás de sexo não pode ser considerado criminoso. “Ninguém nega a
beleza da mulher brasileira. Hoje as meninas de 16 anos botam silicone,
ficam popozudas, põem uma saia curta e provocam. Aí vem o cara, se
encanta, vai ao motel, transa e vai preso? Ninguém foi lá à força. A
moça tem consciência do que faz”, declarou. “O cara (turista) não sabe
por que ela está lá. Ele não é criminoso, tem bom gosto.” Para Timóteo,
há “demagogia e frescura”.
E isso porque o Estatuto da Criança e do Adolescente proíbe a exploração sexual comercial de adolescentes até 18 anos.
Seguindo a linha de raciocínio, poderíamos legalizar uma série de
situações em que há um descompasso entre a lei e a realidade.
Deixaríamos de ter, em um passe de mágica, a prostituição
infanto-juvenil, o trabalho escravo, o tráfico de seres humanos, fora
preconceitos de raça, credo e classe. É só jogar por terra conquistas
sociais obtidas na base do sangue e suor de gerações.
Em bom português, o que se propõe é o seguinte: já que o Estado e a
sociedade são incompetentes para impedir que seus filhos e filhas
dediquem sua infância aos estudos e ao desenvolvimento pessoal, vamos
aceitar isso e legalizar o trabalho de crianças de 12 anos, incluindo aí
a prostituicão infantil. Por que o trabalho forma o cidadão. ”O
trabalho liberta”, como diria a frase na porta do campo de concentração
de Auschwitz.
Em 2009, o STJ também havia afirmado que não há exploração sexual
contra uma criança ou adolescente quando o cliente é ocasional. A corte
manteve decisão do Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul que
rejeitou acusação de exploração sexual de menores por entender que
cliente ou usuário de serviço oferecido por prostituta não se enquadra
em crimes contra o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).
Dois réus contrataram serviços sexuais de três garotas de programa
que estavam em um ponto de ônibus, mediante o pagamento de R$ 80 para
duas adolescentes e R$ 60 para uma outra. O programa foi realizado em um
motel. O TJMS absolveu os réus do crime de exploração sexual de menores
por considerar que as adolescentes já eram prostitutas. E ressaltou que
haveria responsabilidade grave caso fossem eles quem tivesse iniciado
as atividades de prostituição das vítimas.
Alguns vão dizer que é uma questão técnica, de interpretação – como
se o conhecimento da realidade e a subjetividade não influenciassem
nessas decisões. Enfim, pimenta nos olhos das filhas dos outros é
refresco.
Passando o município maranhense de Estreito, cruzando-se a ponte
sobre o rio Tocantins e entrando no estado homônimo, há um posto de
combustível. Entre bombas de combustível e caminhões estacionados,
meninas baixinhas oferecem programas. Entram na boléia por menos de R$
30, deixando a inocência do lado de fora.
Prostituição infantil não é novidade. E nem é vinculada apenas a uma
classe social: há denúncias e mais denúncias de políticos e empresários
que alugam barcos e hotéis para consumir as crianças que compraram. Ou
festas regadas a uísque nas grandes cidades. Mas é ruim quando a gente
se depara com isso. Ver meninas que deveriam estar estudando para uma
prova de sexta série vender seus corpos e encararem isso como parte da
vida dá um misto de raiva e sensação de impotência.
Anos atrás, não muito longe dali, no Pará, me apontaram bordéis onde
se podia encontrar por um preço barato “putas com idade de vaca velha”.
Ou seja, 12 anos.
“Ah, mas tem menina que gosta.”
E, por trás desta justificativa, muito homem que gosta ainda mais.
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