quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

Crime organizado, Estado nem tanto

Dia desses tive a oportunidade de participar de um curso de poucas horas cujo tema era segurança em condomínios, e que tinha como palestrante um sargento da policia militar. Omito detalhes que identifiquem o curso ou o instrutor por razões óbvias e até por que o que vou falar a seguir não diz respeito a um individuo apenas, mas a instituição que costumamos chamar de Segurança Publica.

E o tal sargento começou dando sua opinião sobre por que os assaltos em condomínios aumentam a cada dia. Segundo ele por que vivemos sob governos ladrões! ( sim senhores ele chamou todos os governos de ladrões, evidentemente esquecendo-se que ele é  representante do governo) e que por causa da roubalheira cada vez maior na esfera publica, os empresários sonegam impostos e guardam seu dinheiro ou os bens comprados com fruto da sonegação em casa. Vai dai que os assaltantes (que ele condena por roubarem)  invadem os aptos dos empresarios ( que ele apoia por sonegarem) tendo certeza de que seus assaltos darão bom retorno.

Comecei a me preocupar com o que vinha pela frente em especial por que, segundo o proprio sargento, ele treina os PMs que patrulham as ruas de nossa cidade.

Carregado de preconceitos e machismo cada vez que o sargento referia-se a um porteiro de edifício fazia-o de maneira caricatural colocando na voz e nas palavras o tom e o vocabulário de pessoas débeis e analfabetas. Ao falar das mulheres não economizava no "gostosas" ou então sempre se referia a elas como dispostas a chifrarem seus maridos.

Atrasado e/ou deslocado da realidade atual falou um pouco sobre tatuagens. Ele quis mostrar aos participantes do grupo o que significam tatuagens no mundo do crime. Segundo ele a depender da localização da tatuagem no corpo e também do desenho, o significado de uma tatuagem vai desde "chefe de bando", passando por "estuprador" indo até "homossexual".

Pedi licença e perguntei a ele como a PM estava lidando com o uso que já esta certamente se tornando comum de tatuagens. Perguntei como ficam os próprios PMs pois é possivel que entre eles o uso de tatuagem já deve ser bastante comum. Ele não respondeu. Fez de conta que não entendeu e continuou com seu nada esclarecedor significado das tatuagens como forma de identificar o caráter ou a história de vida das pessoas.

E assim seguiu o curso. Numa certa altura ele descreveu como são as batidas policiais e, a respeito daquela cena que todo mundo vê na TV em que o policial encosta um "suspeito" de frente para a parede e passa e encoxa-lo, aquilo na sabedoria militar-policial tem o poder de intimidar o tal suspeito uma vez que este passa a sentir uns arrepios e, com medo de ser violentado ali mesmo, fica calmo e manso.

Enfim a profundidade do seu conhecimento sobre técnicas de repressão a criminalidade e/ou apuração de ilícitos diversos é menor que de um pires. E isso se deu naqueles dias em que a onda de violência em S Paulo havia mais que dobrado o que me fez imaginar que a razão daquele crescimento pode estar no fato de que a Segurança Publica, a nossa segurança, treina pessoas com conceitos desses.

Ah esqueci-me de mais uma. O tal sargento nos ensinou também que o Brasil é tão errado do jeito que ele acha que é errado por causa de nosso espírito de solidariedade !! (?) Sim senhores ele resvalou por uma espécie de cultura do egoísmo onde ele afirmou que o segundo colocado em qualquer coisa é o primeiro colocado entre os perdedores. Segundo ele um homem não deve sequer financiar ou ajudar a pagar a faculdade da esposa pois quando ela virar doutora vai dar um pé na bunda dele.

Agora imaginem um soldado indo pra rua trabalhar e pensando em tudo isso. Pensando em que pobre é apenas uma caricutura de ser humano, em como estão certos os sonegadores de impostos, em que significa a tatuagem que a filha fez recentemente, em que é governado por ladrões, em ter que encoxar suspeitos em vielas, em ser o primeiro em tudo e sempre, caso contrario e inapelavelmente sua mulher vai colocar chifres nele. É dose. Nem é preciso refletir muito pra saber que isso não vai dar certo.

E foi hoje que encontrei uma entrevista ( leia aqui ) publicada já vai fazer três anos, feita com estudiosos de assuntos relativos a periferia de São Paulo e que dão preciosas informações sobre o crime organizado ou o PCC que é a mesma coisa.

Impressionante como se percebe uma evolução, uma modernidade, digamos assim, no crime dito organizado, enquanto o que se vê de parte da Segurança Publica - ao menos da segurança da qual faz parte aquele sargento - é uma involução. Enquanto os integrantes disso que chamamos de quadrilhas já adquiriram um entendimento bastante complexo do que seja paz, justiça, liberdade e igualdade, a nossa Segurança Publica ainda engatinha no simples reconhecimento dos direitos cidadãos.