terça-feira, 16 de novembro de 2010

Neocons à brasileira

Xerocado da Carta Capital

Ao tomar a hóstia em Aparecida, beijar o terço em Goiânia e erguer como uma taça a imagem de Nossa Senhora da Abadia, em Uberlândia, o tucano José Serra não apenas bajulava o voto do eleitor cristão em campanha, mas selava o próprio destino. Identificado com a esquerda durante toda a sua vida política, Serra sai da eleição como a cara mais visível de um movimento que pretende fincar as raízes do ultradireitismo no Brasil. Espécie de versão brazuca do americano Tea Party, a nova direita que emerge das urnas pauta-se menos pela austeridade nos gastos governamentais e mais por uma moral retrógrada e um nacionalismo infantil que geralmente descamba para o preconceito.

Nos Estados Unidos, o Tea Party surgiu em 2009 a partir da constatação feita por um grupo de políticos conservadores, liderados pela ex-candidata a vice e ex-governadora do Alasca Sarah Palin, de que parte da classe média branca do país perdera privilégios ao longo dos anos – e, mais ainda, com a eleição de um negro, Barack Obama, para a Presidência. O ódio e o preconceito dessa fatia do eleitorado já haviam se manifestado na primeira eleição de George W. Bush, em 2000, quando uma massa de branquelos do Meio-Oeste foi às urnas contra propostas de liberação do casamento gay e do aborto, associadas aos democratas. Foi esse grupo um dos responsáveis pela vitória de Bush Júnior. A mesma turma alçou Palin ao estrelato e reduziu o espaço dos moderados no Partido Republicano.

Não à toa, o movimento Tea Party apoia a lei em vigor no Arizona desde julho- que permite prender e expulsar imigrantes pelo simples fato de não estarem de posse de documentos. Aqui, as vítimas da versão brasileira dos red necks são os nordestinos, a quem se “culpa” pela vitória de Dilma Rousseff no domingo 31.
Disfarçada na política, a aversão aos nordestinos invadiu as redes sociais, sobretudo o Twitter, na segunda-feira 1º de novembro, na manhã seguinte à confirmação da vitória de Dilma. Uma estudante de Direito de São Paulo, Mayara Petruso, deu a senha para uma enxurrada de manifestações preconceituosas ao postar a seguinte mensagem: “Nordestisto (sic) não é gente, faça um favor a SP, mate um nordestino afogado!” Seguiram-se dezenas de outras, todas no mesmo tom: “Trocaram voto por miolo de pão!”, “Valeu Nordeste, mais quatro anos vivendo às nossas custas”, “80% do Amazonas votam na Dilma… cambada de índio burro”, e coisas do gênero.

Mayara acabou alvo de uma representação movida pela seção pernambucana da Ordem dos Advogados do Brasil no Ministério Público Federal por racismo (pena de dois a cinco anos de detenção, mais multa) e incitação pública de prática de crime. Houve reação no próprio Twitter contra as mensagens preconceituosas e em defesa da população do Nordeste, mas foi incapaz de reduzir a onda antinordestina. Em entrevista ao portal Terra, uma representante do autodenominado Movimento São Paulo para os Paulistas chegou a afirmar que as críticas às mensagens sórdidas eram uma tentativa de “vitimizar o Nordeste”.

A enxurrada de mensagens preconceituosas foi também a demonstração de ignorância e desinformação. O argumento de que foram os nordestinos os responsáveis pela vitória petista não se sustenta pelos números: a ex-ministra seria eleita mesmo sem os votos do Norte e Nordeste. Se fossem computados apenas o Sul e o Sudeste, teria 29,7 milhões de votos, contra 29,4 milhões de Serra. Na capital paulista, de onde saíram muitas das mensagens ofensivas contra os nordestinos, Serra ganhou apertado, com apenas 466 mil votos de diferença. Perdeu feio em dois estados do Sudeste – Minas Gerais e Rio de Janeiro. Na terra de Aécio Neves, Dilma abriu vantagem de 17 pontos porcentuais, o que praticamente anulou a dianteira de Serra em São Paulo. No Rio, a petista obteve 4,9 milhões de votos, contra 3,2 milhões de Serra.

No Rio Grande do Sul, a vitória do tucano foi ínfima: pouco mais de 100 mil votos. Os estados do Sul e Sudeste onde- de fato o candidato do PSDB derrotou a futura presidente com folga foram o Paraná, com margem de 700 mil votos, e Santa Catarina, com vantagem final de 473 mil. Serra obteve vitórias esperadas em estados movidos pelo agronegócio, em queda de braço com o governo Lula em virtude da desvalorização do dólar. Assim como também era esperada pela oposição a larga vantagem da candidata do presidente no Nordeste: Dilma teve 18,4 milhões de votos na região, contra 7,6 milhões. Nem por isso, Serra pode ser considerado o candidato dos ricos, como não se pode desqualificar o eleitor de Dilma, praxe em editoriais e artigos na imprensa na semana pós-segundo turno.

Infelizmente, é inegável que foi a campanha do PSDB a estimular essa diferença, mais do que qualquer frase de Lula a cerca dos “nós contra eles”. Mergulhado até o pescoço na estratégia religiosa, antiabortista e impregnada de preconceito imaginada pelos artífices de sua exposição marquetológica, Serra deu o tom do embate entre paulistas e o resto do País no encontro da RedeTV! em 17 de outubro. “Essa estratégia de falar mal de São Paulo foi reprovada”, disse o tucano. E foi além ao declarar que “o PT não gosta de São Paulo”. Uma semana antes da eleição, o PSDB distribuiria panfletos com a frase “Dilma não gosta de São Paulo”, mesmo título do vídeo postado no canal oficial do candidato no YouTube. Ambos afirmavam que a petista “prejudicou São Paulo durante sete anos”.

Nos jornais, colunistas e editoriais davam a sua colaboração para que o preconceito contra os nordestinos viesse à tona. Por um lado, desqualificava-se a vitória de Dilma como representativa dos votos “menos conscientes” em contrapartida à racional escolha dos “mais escolarizados” pelo PSDB. Uma colunista chegou a escrever que Dilma e o “lulismo” só venceram a eleição “graças à votação maciça nas regiões e áreas mais manipuláveis, onde a Arena, o PDS e o PMDB já foram reis”. Daí aos “ricos” do Sudeste e Sul se jogarem contra os “pobres manipulados” do Norte e do Nordeste foi um pulo.

Professor de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte e autor do livro Preconceito contra a Origem Geográfica e de Lugar (Ed. Cortez), Durval Albuquerque Jr. diz que a questão é justamente o contrário do que dizem os analistas. “Não se votou em Dilma no Nordeste porque se sente fome, e sim porque o governo fez o povo comer”, argumenta. “Enquanto o País crescia a 4% ao ano, o Nordeste crescia a 8%, 9%. Houve uma inclusão imensa, que se reflete na votação maciça que o PT teve na região. O Bolsa Família não é alienante, como se diz, é o inverso: conscientizou as pessoas, fez elas se sentirem gente e passarem a exigir mais.”

O resultado é que mesmo entre as classes médias do Nordeste existe hoje o preconceito observado no Sudeste e no Sul, alerta o professor. “Eles queixam-se de que já não se contratam empregados com tanta facilidade, pagando qualquer coisa.” O historiador conta que o preconceito contra os nordestinos em São Paulo surgiu na década de 1920, quando começou a migração interna e os baianos foram os primeiros a chegar – por isso até hoje “baiano” é a forma genérica de se referir ao nordestino no estado. Para o Rio, a partir da década de 1930, migraram os sertanejos acima da Bahia, e ficaram conhecidos como “paraíbas”.
Em São Paulo, a chegada dos nordestinos desencadeou tensões na classe operária. Houve disputa pelos postos de trabalho com os imigrantes estrangeiros, trazidos pela política de “branqueamento” do estado. Segundo o historiador, contribui para o preconceito a construção da imagem do Nordeste flagelado, miserável, atrasado e ignorante feita pela própria elite da região para obter recursos e cargos diante do crescimento do Centro-Sul. “Só que essa realidade vem se transformando e muita gente não viu. Está cada vez mais defasada, só existe em termos de estereótipo. O político nordestino quando faz algo errado ainda é chamado de ‘coronel’, mas não ocorre o mesmo quando vem do Sul ou do Sudeste.”

Latente, o preconceito vem à tona quando estimulado. E parece ser mais regional que partidário. Tome-se o caso dos dois Grazianos, Xico (tucano) e José (petista). Ambos paulistas. O tucano usou o Twitter para alfinetar o companheiro de partido Aécio Neves em virtude da vitória, segundo ele, “nordestina” de Dilma em Minas Gerais. Já o petista José causou polêmica no começo do governo Lula. À época ministro da Segurança Alimentar, declarou sobre o Nordeste: “Temos de criar emprego lá, temos de gerar oportunidade de educação lá, temos de gerar cidadania lá. Porque, se eles continuarem vindo pra cá, vamos ter de continuar andando de carro blindado”.

Mas será que se um partido assumisse esse discurso segregacionista teria futuro no País? Não assumidamente, mas sub-repticiamente é possível que sim. Há um ano, o diretor do instituto Vox Populi, João Francisco Meira, compila dados que apontam para um vácuo: falta um partido assumidamente de direita no Brasil. De acordo com Meira, nenhuma das legendas existentes, inclusive o DEM, se declara. “Há condições para o crescimento da direita. A campanha do Serra, nesta eleição, explorou esse espaço e o resultado final das eleições mostrou que ele é relevante.”

O diretor do Vox afirma que metade dos votos recebidos por Marina Silva, do PV, no primeiro turno, era de direita, conservador. E foram exatamente esses votos que foram para o tucano no segundo turno. “O Serra conseguiu captar todo o voto conservador da Marina. Isso rendeu a ele um terço a mais de votos do que teve no primeiro turno”, diz Meira.

A professora de Ciência Política da Universidade de Brasília, Lúcia Avelar atenta para o fato de essa guinada à direita de uma parcela do eleitorado representar uma reação à mobilidade social propiciada pelo governo Lula. “Como havia uma distância muito grande entre as classes, é como se pensassem: ‘Puxa, eles estão se aproximando. Vão sentar ao nosso lado no cinema, no teatro’. Mexer no status quo incomoda muita gente.”

Para se inserir de vez no contexto conservador que ensaiou nesta eleição, Serra enfrentará obstáculos dentro do seu partido, o PSDB. Seria temerário dizer que existe uma tendência direitista dentro do tucanato como um todo: Aécio Neves, por exemplo, está mais identificado com o centro, assim como Teotônio Vilela, governador reeleito de Alagoas. Uma alternativa para este novo Serra seria fundar outra legenda, que absorvesse setores do PSDB, DEM e dos demais partidos conservadores, como o PP. Ou esperar uma saída de Aécio da legenda, que levaria a ala não paulista do partido consigo e abriria espaço para uma hegemonia do ex-governador de São Paulo.


A eleição de Felipe Calderón no México, em 2006, e, mais recentemente, de Sebastián Piñera no Chile, comprova que existe espaço para uma direita não golpista na América Latina. De qualquer forma, parte da oposição brasileira parece encantada com o estilo neocon dos republicanos. Do ponto de vista eleitoral, não se pode negar, ela deu resultados – e no curto prazo. Como se verá na reportagem de Antônio Luiz M. C. da Costa à pág. 58, Obama sofreu uma derrota fragorosa nas eleições legislativas, a maior de um partido governista nos Estados Unidos desde o fim dos anos 1930. Uma das razões deve-se à campanha republicana permanente, iniciada logo após a vitória de Obama, e baseada em preconceitos e mentiras. Velhos temores da Guerra Fria (Obama seria “comunista”) misturam-se a novos (ele seria a favor do Islã). Resultado: presos a uma pauta moralista e insatisfeitos com o resultado de uma política econômica aprofundada sobre o mandato do antecessor Bush, os norte-americanos não conseguem debater temas realmente cruciais ao seu futuro.

Parece ser essa a diferença entre uma velha direita, liberal e centrada na defesa das liberdades individuais contra um suposto Estado opressor, e a atual. Ao redor do mundo, quem ganha espaço entre os conservadores são partidos defensores da xenofobia, do racismo e do obscurantismo religioso.

No fim das contas, tenha ou não sido proposital, essa foi a cara da campanha de Serra no segundo turno, pois nem o racionalismo econômico pôde lhe ser atribuído, vide as propostas de reajuste do salário mínimo a 600 reais e o 13º para os beneficiários do Bolsa Família (ironicamente atacados pelos eleitores tucanos na odiosa campanha na internet). No seu discurso na noite do domingo 31, o ex-governador paulista diz ter dado um “até logo, não um adeus”. Para quem tanto defendeu sua biografia na disputa presidencial, Serra poderia voltar à cena como defensor intransigente dos valores democráticos que ele tanto diz prezar. O Brasil agradeceria.


Cynara Menezes

Cynara Menezes é jornalista. Atuou no extinto "Jornal da Bahia", em Salvador, onde morava. Em 1989, de Brasília, atuava para diversos órgãos da imprensa. Morou dois anos na Espanha e outros dez em São Paulo, quando colaborou para a "Folha de S. Paulo", "Estadão", "Veja" e para a revista "VIP". Está de volta a Brasília há dois anos e meio, de onde escreve para a CartaCapital.

Só no Brasil a educação é discutida por comentarista esportivo

xerocado do Blog do Azenha ( Viomundo)

Desde o último final de semana, o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o Ministério da Educação (MEC) estão sob bombardeio midiático.

Estavam inscritos 4,6 milhões estudantes, e 3,4 milhões  submeteram-se às provas.  O exame foi aplicado em 1.698 cidades, 11.646 locais e 128.200 salas.  Foram impressos 5 milhões de provas para o sábado e outros 5 milhões para o domingo. Ou seja, o total de inscritos mais de 10% de reserva técnica.
No teste do sábado, ocorreram  dois erros  distintos. Um foi assumido pela gráfica encarregada da impressão. Na montagem, algumas provas do caderno de cor amarela tiveram questões repetidas, ou numeradas incorretamente ou que faltaram. Cálculos preliminares do MEC indicavam que essa falha tivesse afetado cerca de 2 mil alunos. Mas o balanço diário tem demonstrado, até agora, que são bem menos: aproximadamente 200.

O outro erro, de responsabilidade do Inep, foi no cabeçalho do cartão-resposta. Por falta de revisão adequada, inverteram-se os títulos. O de Ciências da Natureza apareceu no lugar de Ciências Humanas e vice-versa. Os fiscais de sala foram orientados a pedir aos alunos que preenchessem o cartão, de acordo com a numeração de cada questão, independentemente do cabeçalho. Inep é o Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais, órgão do MEC encarregado de realizar o Enem.

“Nenhum aluno será prejudicado. Aqueles que tiveram problemas poderão fazer a prova em outra data”, tem garantido desde o início o ministro da Educação, Fernando Haddad. “Isso é possível porque o Enem aplica  a teoria da resposta ao item (TRI), que permite que exames feitos em ocasiões diferentes tenham o mesmo grau de dificuldade.”

Interesses poderosos, porém, amplificaram ENORMEMENTE os erros para destruir a credibilidade do Enem. Afinal, a nota no exame é um dos componentes utilizados em várias universidades públicas do país para aprovação de candidatos, além de servir de avaliação parabolsa do PRO-UNI.

“Só os donos de cursinhos e aqueles que não querem a democratização do acesso à universidade podem ter algo contra o Enem”, afirma, indignado, ao Viomundo o neurocientista Miguel Nicolelis, professor da Universidade de Duke, nos EUA, e fundador do Instituto Internacional de Neurociências de Natal, no Rio Grande do Norte. “Eu vi a entrevista do ministro Fernando Haddad ao Bom Dia Brasil, TV Globo. Que loucura!  Como  jornalistas  que num dia falam de incêndio, no outro, de escola de samba, no outro, ainda, de esporte, podem se arvorar em discutir um assunto tão delicado como sistema educacional? Pior é que ainda se acham entendedores. Só no Brasil educação é discutida por comentarista esportivo!”
Nicolelis é um dos maiores neurocientistas do mundo. Vive há 20 anos nos Estados Unidos, onde há décadas existe o SAT (standart admissions test), que é muito parecido com o Enem. Tem três filhos. Os três já passaram pelo Enem americano.

Viomundo — De um total de 3,4 milhões de provas aplicadas no sábado, houve problema incontornável em menos de 2 mil. Tem sentido detonar o Enem, como a mídia brasileira tem feito? E dizer que o Enem fracassou, como um ex-ministro da Educação anda alardeando?

Miguel Nicolelis — Sinceramente, de jeito algum — nem um nem outro. O Enem é equivalente ao  SAT, dos Estados Unidos. A metodologia usada nas provas é a mesma: a teoria de resposta ao item, ou TRI, que é uma tecnologia de fazer exames.  O SAT foi criado  em 1901. Curiosamente, em outubro de 2005, entre as milhões de provas impressas, algumas tinham problema na barra de códigos onde o teste vai  ser lido.  A entidade que  faz o exame não conseguiu controlar, porque esses erros podem acontecer.

Viomundo — A Universidade de Duke utiliza o SAT?
Miguel Nicolelis — Não só a Duke, mas todas as grandes universidades americanas reconhecem o SAT. É quase um consenso nos Estados Unidos. Apenas uma minoria é contra. E o Enem, insisto, é uma adaptação do SAT, que é uma das melhores maneiras de avaliação de conhecimento do mundo. O teste é a melhor  forma de avaliar uniformemente alunos submetidos a diferentes metodologias de ensino. É a saída para homogeneizar a  avaliação de estudantes provenientes de um sistema federativo de educação, como o americano e o brasileiro,  onde os graus de informação, os métodos, as formas como se dão, são diferentes.

Viomundo — Qual a periodicidade do SAT?

Miguel Nicolelis –  Aqui, o exame é aplicado sete vezes por ano. O aluno, se quiser, pode fazer três, quatro, cinco, até sete, desde que, claro, pague as provas. No final, apenas a melhor é computada. Vários estudos feitos aqui já demonstraram que o SAT é altamente correlacionado à capacidade mental geral da pessoa.
Todo ano as provas têm uma parte experimental. São questões que não contam nota para a prova. Servem apenas para testar o grau de dificuldade. Assim, a própria criançada vai ranqueando as perguntas, permitindo a ampliação do banco de questões. Outra peculiaridade do sistema americano é a forma de corrigir a prova. É desencorajado o chute.

Viomundo — Explique melhor.
Miguel Nicolelis — Resposta errada perde ponto, resposta em branco, não. Por isso, o aluno pensa muito antes de chutar, pois a probabilidade de ele errar é grande. Então se ele não sabe é preferível não responder do que correr o risco de responder errado.

Viomundo –  Interessante …
Miguel Nicolelis – Na verdade,  o SAT é  maneira  mais honesta, mais democrática de avaliar pessoas de  lugares diferentes, com sistemas educacionais diferentes,  para tentar padronizar o ingresso. Aqui, nos EUA, a molecada faz o exame e manda para as faculdades que quer frequentar. E as escolas decidem quem entra, quem não entra. O SAT é um dos componentes para essa avaliação.

Viomundo — Aí tem cursinho para entrar na faculdade?
Miguel Nicolelis — Tem para as pessoas aprenderem a fazer o exame, mas não é aquela loucura da minha época. Era cheio de cursinho para todo lugar no Brasil. Cursinho  é uma máquina de fazer dinheiro.  Não serve para nada a não ser para fazer o exame. Por isso ouso dizer: só os donos de cursinho e aqueles que não querem democratizar o acesso à universidade podem ter algo contra o Enem.

Viomundo –Mas o fato de a prova ter erros é ruim.
Miguel Nicolelis — Concordo. Mas os erros vão acontecer.  Em 1978, quando fiz a Fuvest (vestibular unificado no Estado de São Paulo), teve pergunta eliminada, pois não tinha resposta.  Isso acontece desde o tempo em que havia exame para admissão [ao primeiro ginasial, atualmente 5ª série do ensino fundamental)  na época das cavernas (risos). Você não tem exame 100% correto o tempo inteiro.
Então, algumas pessoas estão confundindo uma metodologia  bem estudada, bastante conhecida e aceita há décadas,   com problemas operacionais que acontecem em qualquer processo de impressão de milhões de documentos. Na dimensão em que aconteceram no Brasil está dentro das probabilidade de fatalidades.

Viomundo -- Em 2009, também houve problema, lembra-se?
Miguel Nicolelis -- No ano passado foi um furto, foi um crime. O MEC não pode ser condenado por causa de um assalto, que é uma contigência e nada tem a ver com a metodologia do teste.
Só que, infelizmente, gerou problemas operacionais para algumas universidades, que não consideraram a nota do Enem nos seus vestibulares. Isso não quer dizer que elas não entendam ou nãoaceitam o teste. As provas do Enem são muito mais democráticas, mais  racionais e mais bem-feitas do que os vestibulares de qualquer universidade brasileira.
Eu fiz a Fuvest. Naquela época, era muito ruim. Não media nada. E, ainda assim, a gente teve de se sujeitar àquilo, para entrar na faculdade a qualquer custo.

Viomundo -- Fez cursinho?
Miguel Nicolelis -- Não. Eu tive o privilégio de estudar numa escola privada boa. Mas muitas pessoas que não tinham educação de alto nível eram obrigadas a recorrer ao cursinho para competir em condições de igualdade.
Mas o cursinho não melhora o aprendizado de ninguém. Cursinho é uma técnica de aprender a maximizar a feitura do exame. É quase um efeito colateral do sistema educacional absurdo que  até recentemente tínhamos no Brasil. É um arremedo. É um aborto do sistema educacional que não funciona.

Viomundo -- Qual a sua avaliação do Enem?
Miguel Nicolelis -- É um avanço tremendo, porque a longo prazo a repetição do Enem várias vezes por ano vai acabar com o estresse do vestibular. Você retira o estresse do vestibular. Na minha época, e isso acontece muito ainda hoje, o jovem passava os três anos esperando aquele "monstro". De tal sorte, o vestibular transformava o colegial numa câmara de tortura. Uma pressão insuportável. Um  inferno tanto para os meninos e meninas quanto para as famílias. Além disso,  um sistema humilhante, porque as pessoas que não podiam frequentar um colégio privado de alto nível sofriam com o complexo de não poder competir em pé de igualdade. Por isso os cursinhos floresceram e fizeram a riqueza de tanta gente, que agora está metendo o pau no Enem. Evidentemente  vários interesses estão sendo contrariados devido ao êxito do Enem.

Viomundo -- Tem muita gente pichando, mesmo.
Miguel Nicolelis -- Todo esse pessoal que picha acha que sabe do que está falando.  Só que não sabe de nada. Exame educacional não é  jogo de futebol. Tem metodologia, dados, história. E olha que eu adoro futebol. Sempre que estou no Brasil, vou ao estádio para assistir ao jogos do Palmeiras [Ninguém é perfeito (rs)!] O Brasil fez muito bem em entrar no Enem. É o único jeito de  acabar com esse escárnio, com essa ferida que é o vestibular .

Viomundo — Nos EUA, não há vestibular para a universidade. O senhor acha que o Brasil seguirá essa tendência?
Miguel Nicolelis --  Acho que sim. O importante é o seguinte. O Brasil está tentando iniciar esse processo. Quando você inicia um processo dessa magnitude, com milhões fazendo exame,  é normal ter problemas operacionais de percurso, problemas operacionais. Isso faz parte do processo.
Nos Estados Unidos, as provas já são começam a ser feitas via internet. Como o Brasil em pouco tempo está avançando rapidamente, acredito que logo teremos várias provas por ano, como aqui [nos EUA, há sete, lembram-se?], e tudo por computador. O aluno se inscreve e, num dia e hora pré-determinados, vai com a sua senha a um terminal estabelecido — terá de se estabelecer uma rede –  acessa e faz a prova. Será um exame só para ele. Você elimina o risco de vazamento e economiza com a impressão de provas, que custa um dinheirão.

Nós estamos caminhando para o Enem ser a moeda de troca da inclusão educacional. As crianças vão aprender que não é porque elas fazem cursinho famoso da Avenida Paulista que elas vão ter mais chance de entrar na universidade. Elas vão entrar na universidade pelo que elas acumularam de conhecimento ao longo da vida acadêmica delas. Elas vão poder demonstrar esse conhecimento sem estresse, sem medo, sem complexo de inferioridade. De uma maneira democrática.E, num futuro próximo, tanto as crianças de escolas privadas quanto as  de escolas públicas vão começar a entrar nesse jogo  em pé de igualdade. Aí,  sim vai virar jogo de futebol.

Futebol é uma das poucas coisas no Brasil em que o mérito é implacável. Joga quem sabe jogar. Perna de pau não joga. Não tem espaço. O talento se impõe instantantaneamente.

Educação tem de ser a mesma coisa. O talento e a capacidade têm de aflorar naturalmente e todas as pessoas têm de ter a chance de sentar na prova com as mesmas possibilidades.

Eu quero a banda larga

xerocado do Blog do Miro

Eu quero a banda larga

Por Altamiro Borges

As eleições presidenciais mostraram mais uma vez, para quem ainda nutria ilusões, que a mídia oligárquica é uma grande inimiga do povo brasileiro. Ela fez de tudo para garantir a vitória de José Serra, o candidato da direita neoliberal. Produziu factóides, difamou reputações, estimulou os piores preconceitos religiosos e morais – em síntese, realizou uma das campanhas mais sujas da história do país. Apesar das manipulações, o povo derrotou o demotucano e sua mídia venal.

Agora, é preciso extrair as lições desta contenda. A direita perdeu a batalha, mas não desistiu da guerra. Ela continuará tentando manipular corações e mentes. Para evitar futuras derrotas, o povo precisará avançar na sua politização, mobilização e organização. Uma frente decisiva neste rumo é exatamente o da luta pela democratização dos meios de comunicação. Enquanto persistir o latifúndio da mídia, controlado por de meia dúzia de famílias, a nossa luta será bem mais difícil.

O direito universal à internet

Nesse processo de acumulação de forças, ganha destaque a batalha pela imediata implantação do Plano Nacional de Banda Larga (PNBL) para garantir a universalização do direito à internet de alta velocidade para toda a sociedade. Fruto da pressão social, o governo Lula anunciou recentemente investimentos de R$ 13,2 bilhões num plano com a meta de atingir 40 milhões de casas conectadas com banda larga até 2014 – com um custo unitário que varia de R$ 15 a R$ 35.

O plano tem suas limitações, mas representa um enorme passo para democratizar a informação e a cultura. O acesso à banda larga estimulará meios alternativos de comunicação, garantirá maior interatividade entre as pessoas e pode ajudar a despertar o senso crítico na sociedade. Na batalha eleitoral, a internet já serviu como contraponto à manipulação dos barões da mídia. No mundo atual, quem não tiver acesso à internet será um novo tipo de marginalizado – o excluído digital.

A violenta resistência dos poderosos

As corporações que dominam a mídia já perceberam o perigo do PNBL. Por razões econômicas e políticas, as multinacionais da telefonia (Claro, OI, Vivo, Telefônica) e os feudos da radiodifusão (TV Globo e outras) já declararam guerra ao plano do governo. Eles não aceitam a Telebrás, uma estatal recriada para garantir o acesso às fibras óticas da internet. Temem perder seus lucros, sua audiência e seu poder político de manipulação da sociedade.

As empresas capitalistas não têm qualquer compromisso com o povo, com a real democratização da informação e da cultura. A internet no Brasil é uma das piores do mundo – cara, lenta e de má qualidade. Até o final de 2009, somente 21% das residências possuíam acesso à internet no país. As operadoras enganam o consumidor, anunciando velocidades que não entregam. O custo é dos mais elevados. Na Rússia, ele corresponde a 1,68% da renda per capita; no Japão, a 0,5%; já no Brasil, o seu custo suga o equivalente a 4,5% da renda mensal. Um verdadeiro roubo!

A urgência da pressão social

Apesar das evidências do atraso do Brasil no acesso à internet, as poderosas empresas não estão dispostas a perder seus privilégios. Elas não têm qualquer compromisso com a inclusão digital, com a garantia da universalização deste direito. Farão de tudo para barrar o PNBL, para sabotar a Telebrás e para manter o serviço como fonte de lucro, destinado às elites. Para os capitalistas, a internet é mercadoria e só terá acesso a ela quem tiver grana para pagar. O povo que se dane!

Para os movimentos sociais, a luta pelo PNBL ganha relevo. Ele permite democratizar os meios de comunicação, possibilita estimular o desenvolvimento cultural e impulsiona a luta contra a exclusão social - e digital. A exemplo de outras batalhas estratégicas, como a da reforma agrária, a luta pela banda larga se encaixa na mobilização pela ampliação da democracia. Ela é decisiva no processo de acumulação de forças dos movimentos sociais contra a exploração e opressão.

O conceito de liberdade

Primeiro assista esse video de um sujeito chamado sei-lá-o-que Prestes comentarista de um telejornal da RBS ( braços da Globo) de SC,  e quem sabe você pode ter sinonimos mais adequados pra esse ordinário , dado que minha indignidade é tanta que eu só consigo pensar em nazifascismo.

Depois leia o texto colocado abaixo do video.



Xerocado do Blog do Esquerdopata

O CONCEITO DE LIBERDADE

Hegel e nós
VLADIMIR SAFATLE

Uma das ideias mais atuais de Hegel diz respeito ao conceito de liberdade.
Ela consiste em lembrar que toda discussão sobre liberdade é inócua se não começar por responder quais condições sociais são necessárias para que uma vida livre possa ganhar realidade.

Um exemplo interessante já fornecido por Hegel dizia respeito à tendência, no interior das sociedades de livre mercado, de pauperização de largas camadas da população devido à concentração de riquezas. Já no começo do século 19, um pensador da envergadura de Hegel não se espantaria se descobrisse que, enquanto o PIB norte-americano por habitante cresceu 36% entre 1973 e 1995, o salário horário de não-executivos abaixou em 14%.

O paradoxo de sociedades que produzem cada vez mais riquezas enquanto tendem a concentrar sua circulação não vem de hoje.

Para Hegel, este não era um problema de "justiça social", mas sim de condições de efetivação da liberdade. Não é possível ser livre sendo miserável. Livres escolhas são radicalmente limitadas na pobreza e, por consequência, na subserviência social. Posso ter a ilusão de que, mesmo com restrições, continuo a pensar livremente, a deliberar a partir de meu livre-arbítrio individual.
Um pouco como o estoico Epiteto, que dizia ser livre mesmo sendo escravo. No entanto, uma liberdade que se reduziu à condição de puro pensamento é simplesmente inefetiva. Ela determina em muito pouco as motivações para o nosso agir.

Assim, uma questão fundamental para a realização da liberdade estava ligada à constituição de um Estado com forte capacidade tributária. Estado capaz de, com isso, diminuir as tendências de concentração de riqueza e de pauperização, como já vimos em outros momentos da história.

Isso permitia a Hegel lembrar que a defesa da liberdade não passava pela crença liberal da redução do Estado a simples ator responsável pela segurança pessoal, assim como pela garantia das propriedades e contratos. Ao contrário, era necessário um ator social capaz de limitar as tendências paradoxais das sociedades civis de livre mercado, quebrando o puro interesse dos particulares.

Mas esta "quebra" e esta "limitação" eram as condições para a realização concreta da liberdade. Pois não se explica o que é liberdade partindo dos sistemas individuais de interesses, embora eles não possam ser simplesmente excluídos. "Liberdade" não é apenas um modo de relação a si, mas também um modo de relação social. Por isto, aqueles para quem o Estado é uma espécie de monstro a limitar as nossas possibilidades de autorrealização talvez não saibam o que dizem.




Os ultimos anos de um império chamado Globo

Xerocado do Blog do Julio Garcia



Renato Rovai escreve:

Há elementos bastante sólidos para se afirmar que as Organizações Globo estão vivendo seus últimos anos de império e que para breve ela será apenas mais um grupo de comunicação no Brasil. A audiência da TV aberta, que é o carro chefe da emissora vem caindo de forma constante há algum tempo.

Além disso, a Globo tem perdido telespectadores tanto para a concorrência como para a Internet. Os jovens já passam mais tempo no computador do que na frente da TV. Além do que, na Internet a Globo é mais uma. Seu portal não é nem o maior do país.

Agora, há dois novos elementos que são pilares fundamentais do poder da Globo que podem torná-la ainda mais fraca nos próximos anos. O primeiro tem relação com a decisão recente do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cadê) que tirou da emissora a preferência pela renovação dos direitos do Campeonato Brasileiro das temporadas de 2012 a 2014.

A Rede Record está em polvorosa com a notícia. E há apostas de que o grupo do bispo pensa em dobrar o valor pago hoje pelos Marinhos, de 500 milhões ano para 1 bilhão.

Se isso vier a acontecer e a emissora paulista, que já venceu a concorrência pela transmissão dos Jogos Olímpicos de 2012, passará a ter a hegemonia da cobertura esportiva. No caso do Campeonato Brasileiro, se a Record vencer mais essa ela passa a ter condições objetivas de derrotar a Globo no horário nobre.

O melhor horário para os jogos da semana é o das 20h, 20h30. Mas por conta do Jornal Nacional e das novelas, a Globo faz com que eles se iniciem cada dia mais tarde. Antes eram 21h15 e agora já estão começando às 22h. Isso diminui consideravelmente o público nos estádios.

A Globo também só transmite um jogo por semana. Se a Record vier a ganhar o Brasileirão, ela vai fazer exatamente ao contrário. Transmitirá os jogos no horário nobre tanto para poder vender publicidades por um preço melhor, quanto para tirar audiência da sua principal concorrente. E empurrar as novelas para segundo lugar no horário.

Além disso, ao invés de transmitir apenas um jogo por semana, vai tentar fazer o maior número possível de partidas. Ou seja, vamos ter jogos nos canais abertos nas quartas e quintas e talvez em até dois horários nesses dias. Algo como o jogo das 19h e o das 21h. Além disso, o campeonato da série B provavelmente vai ser negociado com alguma parceira, como SBT ou a Rede TV pra ser transmitido nas terças e sextas em horários também nobres. E vão arrancar alguns pontinhos das novelas nos outros dias.

Boa parte da audiência e dos lucros da Globo tem relação com o futebol. Ele é uma das galinhas dos ovos de ouro da emissora. É quem paga boa parte das contas. O núcleo de novelas também é o responsável por uma considerável parcela das receitas e da audiência da emissora. Ou seja….

O segundo elemento que pode levar a derrocada da empresa dos Marinhos ser mais rápido do que o imaginado é que pela primeira vez desde 1964 que há indícios claros de ela não vai ser a toda poderosa do Ministério da Comunicação.

Há muitas articulações tanto no meio empresarial, quanto na sociedade civil e na classe política para impedir que novamente o futuro titular da pasta seja pau-mandado do Jardim Botânico.

Um importante dirigente partidário disse a seguinte frase que resume o animo da tropa governista: “Dessa vez eles perderam mesmo. Quando decidiram apoiar radicalmente o Serra fizeram uma opção. Vão ter o direito sagrado de ser oposição, inclusive no ministério da Comunicação”.

Amém!

Eu sabia que existia uma otima razão para eu amar os Beatles.

Xerocado do Blog do Saraiva

A beatlemania, 40 anos depois, segundo o jornal L'Osservatore Romao


"Por que os Beatles são tão superiores? É fácil dizer que a maior parte dos seus concorrentes são lixo. Mais importante é afirmar que a sua superioridade é tangível: toda canção dos últimos três álbuns é memorável. Os melhores exemplares entre essas melodias memoráveis – e são um vasto percentual ("Here, There and Everywhere", "Good Day Sunshine", "Michelle" e "Norwegian Wood" já são clássicos) – suportam a comparação com às dos compositores da grande época da música: Monteverdi, Schumann, Poulenc".

A reportagem é de Gaetano Vallini, publicada no jornal L'Osservatore Romano, 14-11-2010. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Que um famoso regente de orquestra como Riccardo Chailly afirme hoje amar os Beatles e que "Yesterday" lhe lembre a Terceira de Mahler não causa tanta admiração. Mas, em 1968, o compositor de música clássica Ned Rorem mostra certamente uma boa dose de coragem ao aproximar o nome dos Beatles aos dos clássicos da música "séria". Porém, o artigo do qual foi tirada a citação, publicada no dia 18 de janeiro na New York Review of Books, depois de anos de resenhas escritas com incontida suficiência pelos especialistas, abre finalmente um debate entre os adeptos dos trabalhos sobre o valor das composição da banda.

O artigo de Rorem pode agora ser lido no livro "Read The Beatles" (Roma, Ed. Arcana, 2010, 541 páginas), editado por June Skinner Sawyers, uma antologia de escritos da época sobre o impacto, a influência e a modernidade dos quatro rapazes de Liverpool que mudaram para sempre a face da música e da sociedade.

Por meio de mais de 50 artigos, ensaios, entrevistas e trechos de livros – alguns dos quais raros, outros conhecidos, como a entrevista de Jonh Lennon a Maureen Cleave para a Evening Standard de março de 1966, com a frase sobre os Beatles mais populares do que Jesus –, a organizadora percorre todo o arco da carreira dos Fab Four.

Principalmente os artigos dos primeiros anos são interessantes, entre exaltações tão imprudentes quanto proféticas, poucas na verdade, e críticas conformísticas e tranquilizadoras, bem mais numerosas. De fato, apesar do impressionante e inesperado sucesso, a opinião comum é de que os Beatles são só uma moda passageira que se exauriria rapidamente, como todas as manias dos jovens. Porém, não sem preocupação, já que o Daily Mail, abordando a beatlemania, se pergunta com uma certa ansiedade: "Para onde isso irá nos levar?".

A grande maioria se detém na exterioridade. No dia 18 de novembro de 1963, a Newsweek publica um artigo desprezível e anônimo – um dos primeiros nos EUA – que, depois de ter ironizado sobre o look dos Beatles, explica: "A sua música é um dos sons mais persistentes na Inglaterra, desde que as sirenes dos ataques aéreos não estão mais em funcionamento (...). É penetrante, tocada em um volume mais alto do que a razão humana e também é surpreendentemente repetitiva. Como o rock'n roll, ao qual se aproxima, causa mais efeito olhá-la do que escutá-la. Os rapazes se sacodem, saltitam e giram ao redor de si mesmos. Parece que uma vez até beijaram as guitarras".

Mas, no dia 1º de dezembro de 1963, na New York Times Magazine, Fredrick Lewis é mais moderado: "Na base, trata-se de rock'n roll, mas menos formal e levemente mais inventivo. O seu espetáculo, que inclui também discursos ao longo dos vários temas, é divertido e audaz", envolvendo "todas as classes sociais e todos os níveis de inteligência".

Há também quem veja na beatlemania uma "ameaça" para a sociedade, como Paul Johnson, que, na New Statesman do dia 28 de fevereiro de 1964, não se deixa impressionar pelo sucesso dos Beatles. Perturbado pelo "novo culto da juventude", o jornalista estigmatiza uma intervenção do ministro da Informação, William Deedes ("ex-aluno da prestigiosa Harrow School", precisa com sarcasmo), que, sobre os Beatles, não sem clarividência, havia dito: "Preanunciam um movimento cultural que está ganhando vida entre os jovens e que poderia começar a fazer parte da história do nosso tempo. Diante dos olhos de todos, está acontecendo algo importante e encorajador".

"Se os Beatles e os seus pares – lamenta Johnson – são aquilo que efetivamente a juventude britânica quer, não nos resta nada mais senão nos desesperar. Recuso-me a acreditar nisso (...). Há 16 anos, eu e os meus amigos havíamos escutado pela primeira vez a execução da Nona Sinfonia de Beethoven: lembro ainda hoje com entusiasmo. Não desperdiçamos nem 30 segundos do nosso preciosíssimo tempo com os Beatles e os seus semelhantes (...). O que o senhor Deeds não consegue entender é que a verdadeira nata do povo dos adolescentes, os rapazes e as moças que serão os verdadeiros criadores e líderes da sociedade de amanhã, não se aproximam nem de um concerto de música pop".

Ipse dixit. Mas já na época há quem se detenha no valor musical dos Beatles. Pioneiro é o artigo publicado no Times do dia 23 de dezembro de 1963. Seu autor é William Mann, que porém não o assina, talvez para não danificar a sua fama de crítica de música clássica. Mann define Lennon e McCartney como "dois jovens e talentosos musicistas" e faz isso falando de guitarras "frescas e harmoniosas", de um "uso alegre e frequentemente instrumental do dueto vocal", de "mudanças da superdominante de Dó maior para Lá bemol maior e depois a modais de extensão menor", que são a sua "marca de fábrica".

E depois de ter destacado que, "por décadas, as canções pop inglesas sempre foram reconhecidas com prestígio pelos EUA", o crítico indica que as músicas da dupla têm um "caráter indigno muito claro". Por isso, "a notícia de que agora os Beatles se tornaram os favoritos também do público norte-americano é carregada de uma certa e gratificante ironia".

Porém, a chegada triunfal dos Beatles aos EUA se contrapõe à atitude desprezível com a qual a imprensa mais tradicional os acolhe. "Dotados de um certo talento (...), os Beatles são 75% publicidade e 20% cortes de cabelo, mais 5% lamentos ritmados", escreve John Horn, crítico televisivo do New York Herald Tribune. "São, mais do que outra coisa, um número de magia, que deve menos à Inglaterra do que ao circo Barnum". O Washington Post os define como "assexuados e banais", enquanto o Washington Star descreve como "mínimo" o seu talento musical, acrescentando: "Nós jamais desenfornamos um Shakespeare, mas também jamais desenfornamos um Beatles".

Em 1964, entra em cartaz o filme "A Hard Days Night", precursor dos modernos videoclipes, e Busley Crowther, no New York Times, fala dele como de "uma comédia formidável". O sucesso é irrefreável, tanto que, na Cosmopolitan de dezembro, Gloria Steinem define os Beatles como "a única grande atração do mundo".

E isso nada mais é do que o começo. O melhor ainda está por vir. Depois de "Help" e de "For Sale", entre 1965 e 1966, chegam também "Rubber Soul" e "Revolver", os álbuns da definitiva passagem entre um velho (de apenas dois anos, mas que já mudou a música) e um novo que levará a uma verdadeira revolução.

Mas isso tem um preço. Em setembro de 19666, quando as vendas começam a cair durante aquela que se tornará depois a sua última turnê, a Time propõe a pergunta: "A Beatlemania acabou?". Pensa-se que, depois da novidade inicial, o fenômeno está se atenuando. Os Beatles, além disso, deixam as arenas pelos estúdios de gravação.

Mas depois chega "Sgt Pepper's Lonely Hearts Club Band" (1967), e o efeito é devastador. Quase toda a imprensa mundial o saúda como a uma obra-prima. A Newsweek compara as músicas de Lennon e McCartney às obras de Alfred Lord Tennyson, Edith Sitwell e T. S. Eliot, enquanto o crítico teatral do Times, Kenneth Tynan, define o lançamento do álbum como a "um momento decisivo para a história da civilização ocidental". Não falta, porém, algumas vozes fora do coro. Richard Goldstein, no New York Times, define o disco como "fraudulento", sde "efeito geral sobrecarregado, que segue a moda e desordenado", levantando não poucas reações ressentidas.

O ano de 1968 traz novas turbulências conhecidas: nesse clima ardente, os Beatles gravam a primeira versão de "Revolution", depois inserida no "White Album", que não agrada à imprensa de esquerda por causa da sua ambivalência, mas que a Time considera "entusiasmante".

Mas os quatro já sentem que o fim está perto. Exatamente no tempo de realizar o belíssimo "Abbey Road" no verão de 1969, a separação é oficializada no dia 10 de abril do ano seguinte. Para quase todos no mundo, é um evento inesperado. "Porque – como escreve Mark Hertsgaard – os Beatles não representavam simplesmente a sociedade artística mais extraordinária do seu tempo, mas eram também o seu símbolo cultural mais importante".

Apesar disso, no momento do fim, os críticos se perguntam se a música dos Fab Four irá durar. "Logo, a próxima geração irá criar novos símbolos por meio dos quais irá se identificar, que terão pouco sentido para todos nós, para os quais os anos 1960 significaram tanto", escreve Dorothy Gallagher na Redbook em setembro de 1974, acrescentando melancolicamente: "Se a música dos Beatles, como grupo ou como solistas, irá sobreviver ainda é uma questão a ser descoberta. Mas, no que se refere a nós, podemos dizer que os Beatles marcaram as nossas vidas de modo indelével". (( FIM ))

E qui nesse link você pode ficar sabendo que Steve Jobs até que enfim assinou acordo com os detentores dos direitor autorais da discografia Beatle  e agora você pode baixar musicas para o seu iTunes diretamente da web.

E nesse outro link deliciosos aperitivos musicais desses genios.

E a seguir um video montado por esse apaixonado por todas as partituras dos 4 cabeludos de Liverpool. É o lado B do Abbey Road. Que, segundo o Lê - meu filho- se não o for o melhor lado b da história da musica é com certeza o melhor lado b da historia da música.

Fiquem em paz.
Jonas

Como cultivar a exclusão social em São Paulo

xerocado do Blog do Sakamoto


Daqui a uma geração, quando estudarem a arquitetura de nossa época, além dos prédios em forma de melancia e dos espigões de aço e vidro azul, outra coisa, menos bonita por certo, chamará a atenção. Temos gasto muito tempo e inventividade para criar formas de excluir do convívio da cidade aqueles para os quais nunca abrimos as portas dos direitos econômicos – e isso não passará despercebido.

Reuni alguns desses métodos informais em forma de manual. Apesar de não estarem publicados e não seguirem padrões da ABNT, existem e fazem vítimas diariamente, ainda mais em noites frias e chuvosas como essas pelas quais estamos passando. Registrar isso serve para lembrar o quanto somos ridículos e ajudar o pessoal que vai nos julgar amanhã. Espero que não tenham dó ou piedade.

1) Áreas cobertas em viadutos, pontes, túneis ou quaisquer locais públicos que possam receber casas imaginárias do povo de rua devem ser preenchidas com concreto. A face superiora não deve ficar paralela à rua, mas com inclinação suficiente para que um corpo sem-teto nela estendido e prostrado de cansaço e sono role feito um pacote de carne velha até o chão.
1.1) Outra opção, caso seja impossível uma inclinação acentuada, é o uso de floreiras, cacos de vidro ou lanças de metal. É menos discreto, mas tem o mesmo resultado.

2) Prédios novos devem ser construídos sem marquises para impossibilitar o acúmulo de sem-teto em noites chuvosas.
2.1) Caso seja impossível por determinações estéticas do arquiteto, a alternativa é murar o edifício ou cercá-lo. A colocação de seguranças armados é outra possibilidade, caso haja recursos para tanto.
2.2) Em caso de prédios mais antigos, uma saída encontrada por um edifício na região central de São Paulo e que pode ser tomada como modelo é a colocação de uma mangueira furada no texto, emulando a função de sprinklers. Acionada de tempos em tempos, expulsa desocupados e usuários de drogas. Além disso, como deixa o chão da calçada constatemente molhado, espanta também possíveis moradores de rua que queiram tirar uma soneca por lá.

3) Bancos de praça devem receber estruturas que os separem em três assentos independentes. Apesar disso impossibilitar a vida de casais apaixonados ou de reencontros de amigos distantes, fará com que sem-teto não durmam nesses aparelhos públicos.
4) Em regiões com alta incidência de seres indesejáveis, recomenda-se o avanço de grades e muros para além do limite registrado na prefeitura, diminuindo ao máximo o tamanho da calçada. Como é uma questão de segurança, o fiscal pode “se fazer entender” da importância de manter a estrutura como está.
5) Cloro deve ser lançado nos locais de permanência de sem-teto, principalmente nas noites frias, para garantir que eles não façam suas necessidades básicas no local. Caso não seja suficiente, talvez seja necessária a utilização de produtos químicos mais fortes vendidos em lojas do ramo, como vem fazendo algumas lojas no Centro da cidade. A sugestão é o uso de um aspersor conforme o item 2.2, mas instalado no chão.

Já que não se encontra solução para um problema, encobre-se. É mais fácil que implantar políticas de moradia eficazes – como uma reforma urbana que pegue as centenas de milhares de imóveis fechados para especulação e destine a quem não tem nada. Ou repensar a política pública para usuários de drogas, hoje baseada em um tripé de punição, preconceito e exclusão e, portanto, ineficaz. Muitos vêem os dependentes químicos como lixo da sociedade e estorvo ao invés de entender que lá há um problema de saúde pública. As obras que estão revitalizando (sic) a região chamada de Cracolândia, têm expulsado os moradores da região – para outros locais, como a Barra Funda e Santa Cecília. Contanto que fiquem longe dos concertos da Sala São Paulo, do acervo do Museu da Língua Portuguesa e das exposições Estação Pinacoteca uó-te-mo.

Melhor tirar da vista do que aceitar que, se há pessoas que querem viver no espaço público por algum motivo, elas têm direito a isso. A cidade também é deles, por mais que doa ao senso estético ou moral de alguém. Ou crie pânico para quem acha que isso é uma afronta à segurança pública e aos bons costumes. Em vez disso, são enxotados ou mortos a pauladas (sem que ninguém nunca seja punido por isso) para limpar a urbe para os cidadãos de bem.

PS: Recado à turma que entalou um “tá com dó leva para casa” na garganta: cresçam.