quinta-feira, 11 de outubro de 2012

Humanizar no lugar de globalizar



Para Carolina B Loureiro
 
Aos demais raros e caros leitores desse Saúva esclareço que este texto é resultado de um debate havido entre eu e Carolina B Loureiro no Facebook  por conta do Julgamento da AP 470 no STF, razão pela qual ele está redigido em forma de resposta direta, mas está – é claro – aberto para comentários de todos.

Cara Carolina

Primeiro de tudo preciso dizer que divido com você as esperanças de ver toda a sociedade brasileira sustentada pelos melhores princípios éticos e morais. Mas certamente divergimos na forma de manifestar essa esperança a começar que você entende que este modelo ideal de sociedade já está estabelecido por conta do resultado deste julgamento enquanto que eu acho que ainda precisamos caminhar muito na direção de aperfeiçoarmos nossa cidadania e, além disso, por enquanto eu considero esse julgamento em si mesmo uma prova inconteste do quanto se pode manipular um povo e agredir os mais básicos direitos individuais.

Não vou fazê-la perder tempo e nem aos demais leitores com todas as discrepâncias jurídicas havidas até agora, e que já estão exaustivamente comentadas por juristas especializados nesse assunto.  Pulemos essa parte, portanto. Embora seja importante anotar mais uma: Barbosa e Gurgel querem a prisão dos condenados antes, (antes! antes!) do segundo turno das eleições!! Uma especie de prisão preventiva. Procure por ai e veja se você encontra subsídios pra isso. Para mim é apenas para exibi-los algemados.

Difícil acreditar que os doutos ministros estão concentrados apenas em sua tarefa de produzir justiça. Difícil acreditar que eles não estão vendo o direcionamento com viés justiceiro que está sendo dado a esse assunto. Mais difícil ainda é admitir que pessoas que supostamente são muito mais dadas a conciliações antes de condenações usarem o vocabulário que andam usando  quando referem-se aos réus e ao partido a que estes pertencem, dando oportunidade aos falsos moralistas e legalistas usarem este mesmo vocabulário para condenar o mais de um milhão de militantes do mesmo partido.

Difícil acreditar que tudo isso é apenas coincidência. A estes doutos juízes cabe a serenidade e a ponderação justamente para que não se faça mal uso do que deveria ser apenas a punição de duas dúzias de criminosos  e não do resto todo, como eu já disse, do mais de um milhão de pessoas que militam  no PT.

Como é possível se fazerem de inocentes quando estão dando combustível para que se queimem em fogueiras inquisitoriais os milhares de candidatos petistas Brasil afora que nada tem a ver com esse imbróglio?

Não é constrangedor ver os ministros dando entrevistas como se fossem pop stars antecipando seus votos, dando explicações por que votaram assim ou assado?  Eles não deveriam fazer isso apenas quando o caso estivesse encerrado? Talvez isso não seja uma obrigação legal, mas é certamente uma obrigação ética e moral.

Eu não me iludo: não veremos tão cedo outro espetáculo de julgamento tão açodado em nome e valores poucas vezes praticados por quem acusa.

Cara Carolina esse caso está servindo apenas para que reflitamos um tanto mais sobre o comportamento político de todo o povo brasileiro. 

Muitos de nossos mecanismos e procedimentos que orbitam em torno da política precisam ser revistos. É cada vez mais necessário, por exemplo, pensar em financiamento publico de campanhas. Já notou como nossas campanhas políticas são cada vez mais caras? Do jeito que estão concebidos os financiamentos, não se pode escapar de favores, cabrestos e compromissos inconfessáveis. Isso pode permitir em um futuro breve a transfromação de nossa democracia em uma plutocracia. Aliás, as campanhas eleitorais são cada vez mais eventos midiáticos e marqueteiros do que exposição de idéias e planos.

A fidelização partidária precisa ser, na pratica, mais condizente com esse nome. Do jeito que está leva a população a preferir isolar-se da política, pois é de fato impossível  entender essa sopa de letras que são as siglas dos partidos sempre diferentes entre si a depender se as coligações são municipais, estaduais ou federais.

Precisamos começar a perguntar sobre o amontoado de privilégios que são concedidos os detentores de cargos públicos de todas as esferas e instancias. Sejam no executivo, no legislativo no judiciário e em todas as repartições, ministérios, secretarias e o que mais houver. Salários nababescos e suas aposentadorias integrais, garantias vitalícias, isonomias, regalias inimagináveis para os brasileiros em geral, infinitas possibilidades de reeleição, tudo isso traz um tanto de impunidade para privilegiados. Ao mesmo tempo em que os torna como uma espécie de escudos e fachadas para os malfeitos. Estimulam o corporativismo e a legislação em causa própria.

E falando em corporativismo veja aqui neste endereço  e note que pelo menos duas pessoas alegaram razões de foro intimo para não ocupar a relatoria do processo que, no MP,  pretende julgar a conduta de Demóstenes Torres.

Precisamos enxergar que padrões e comportamentos que antes compunham a ética e a moral de forma absoluta hoje são relativizados. Talvez seja exagerado dizer que houve uma deterioração no comportamento humano, mas é certo que houve um nivelamento diferente quando se compara com um tempo em que lealdade e fidelidade eram virtudes indispensáveis para o caráter de qualquer um. 

Estão ai a mídia com seu poder nunca antes imaginado pautando os principais assuntos do cotidiano brasileiro, passando como tratores por cima de hábitos e costumes: o que antes era bom agora é ruim e vice-versa. 

É por essas e outras que acredito que nem sempre a isenção está presente em julgamentos. Sempre tem um lado, um interesse, uma crença, um ideal que, devidamente relativizados, fazem prevalecer o juízo de quem tem o poder.

Mudaram-se conceitos, mudaram-se visões e mudaram-se entendimentos. Precisamos mudar também o modo e a quem atribuir o fiel da balança e a guarda dos nossos direitos e deveres.

Acredito que seja nessa direção que caminham aqueles tidos como progressistas e que se propõem a debater mudanças afinadas com o novo modo de pensar que aos poucos vai abandonando os individualismos,os credos, os preconceitos e as superstições.  Já passou da hora de fazer valer a cidadania em lugar das conquistas pessoais. Precisamos parar de dividir a sociedade entre winners e losers. Já é mais do que tempo de se pensar em humanização no lugar de globalização. Temos que revitalizar valores já excessivamente desgastados pelos incontáveis exemplos de egoísmo, orgulho e medo de mudanças.