quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Entrevista do arcebispo de Brasilia


Acho que em razão do arcebispo de Brasilia, dom João Braz de Aviz, ter sido nomeado por Bento 16 prefeito da Congregação para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica ele virou repentinamente uma celebridade, razão pela qual a Folha correu a entrevista-lo. E a tal entrevista pode ser lida integralmente aqui.


Logo abaixo faço comentários que são a minha visão atual da contribuição que a Igreja NÃO tem dado para a melhoria do debate entre o Estado e a Igreja. 

As partes em negrito são as perguntas ao arcebispo, em preto são suas respostas e em vermelho a humilde opinião desse ordinário, porém temente a Deus, blogueiro.

Folha - Qual a sua avaliação a respeito do debate sobre o aborto durante as eleições?

João Braz de Aviz Foi um pouco ruim, porque a discussão dos bispos e de pessoas leigas ligadas à igreja apareceu com a exclusão de um partido [o PT]. Ou seja, havia uma definição de posição político-partidária muito clara [a favor do PSDB], e a Igreja Católica não sustenta isso.

Calma lá. Quem quis, e quase conseguiu, excluir o PT do debate foi a própria Igreja Católica com sua campanha feroz e sanguinolenta inclusive com impressão e distribuição de panfletos caluniosos e difamatórios contra a Dilma, quase ameaçando com excomunhão quem votasse nela.

Do outro lado, o que está à flor da pele é que uma imensa parte da população brasileira não aceita essa
enxurrada de propaganda a favor do aborto que é feita de modo impositivo.

Digam por favor onde está a enxurrada de propaganda pró aborto. O que se vê é apenas a tentativa de trazer o assunto ao debate nos foros apropriados, que não passam certamente pelas sacristias.

Há um movimento de legalizar o aborto e considerá-lo um direito humano, o que é uma coisa muito difícil de a gente compreender. Portanto, a posição dos bispos até estava correta, mas o que houve de dificuldade foi identificar apenas em um partido essa posição e aproveitar esse fato para uma escolha política.

Não entendi qual a parte que é dificil de compreender sobre um direito humano. Não entendi também a lógica da posição correta dos bispos, pois se a Igreja excluiu um partido do debate, se a Igreja conclamou seus seguidores a não votarem na Dilma, o que restaria aos bispos senão optarem por quem mandava a Igreja, dado que a obediencia incondicional é uma de suas práticas?

No geral, o sr. considera que as eleições correram bem?
 
O que se viu foi sobretudo um processo político muito maduro. O crescimento de um terceiro elemento [o PV, de Marina Silva] que não se identifica com as duas principais forças me parece muito positivo. Há um crescimento da consciência política e do diálogo democrático.

Hum, aguardem caros leitores até o momento em que o bispo vai falar dos evangélicos, a mim me parece que não os julga exatamente politizados e democratas.

O sr. imagina que a igreja terá alguma dificuldade de diálogo com o governo Dilma?
 
Claro que a gente sempre espera que o diálogo seja muito bom. Mas a verdade é que não temos uma idéia clara de quem é Dilma do ponto de vista religioso. Ela precisa explicar melhor as suas convicções religiosas para que o diálogo possa progredir.

Entendi. Basta que a Dilma cumpra todos os rituais liturgicos da Igreja, participe da missa e comungue todos todos os domingos,  faça sua profissão de fé rezando alto e claro o Creio ( creio na Igreja, una, santa, católica e apóstolica) e aí sim estará aberta uma avenida para o diálogo.

O que sabemos é que Dilma mostrou flexibilidade com relação a temas importantes para a igreja. Mas também sabemos que políticos fazem isso: durante a campanha é uma coisa, e na prática o caminho às vezes é outro.

Se ele diz que os politicos fazem isso - na campanha é uma coisa e na prática é outra - por que a opção cega e irredutivel pelo PSDB e seu candidato? 

O que o sr. espera dela com relação a isso?
 
Eu espero que as posições dela se aproximem das posições da igreja. Para isso, precisamos conhecer melhor o que pensa a Dilma presidente em relação a certos temas.

Do ponto de vista discurso humanitário, mesmo sem conhecer a Dilma pessoalmente, sou capaz de imaginar que ela é católica sem tirar nem por, resta saber se a Igreja vai dar-se a conhecer melhor explicando por exemplo sua opções nem sempre franciscanas e nem sempre dando primazia aos mais pobres. Repito: os discursos de ambos são identicos. Ao pedir que Dilma se aproxime das posições da Igreja ele na erdade quer dizer: que Dilma governe o país apenas para os católicos.

Não só o aborto, que teve destaque na disputa eleitoral, mas também quanto ao PNDH-3 [Plano Nacional de Direitos Humanos], que traz posições contudentíssimas para a igreja. Há aspectos muito bonitos com relação à questão social, mas temos aborto, homossexualismo, um monte de coisa que precisamos ver como vai ficar.

O que é questão social para esse bispo? Pois para mim tudo que envolve a vida de pessoas, tudo que envolve liberdade de expressão e atitudes, tudo que resguarda as pessoas de violencia e hipocrisia é questão social. E precisa ser debatida e se necessário for, ser regulamentada. Ou não?

Eventuais diferenças não inviabilizariam o diálogo?
 
Para que exista um bom diálogo, é fundamental que ela diga exatamente o que pensa para podermos avançar a partir daí. O fundamental é dar ao outro a oportunidade de ser ele mesmo, para o diálogo continuar. Se a posição dela for outra, tenho direito a uma atitude diferente.

Muito confuso isso. Se a Dilma for ela mesma o dialogo pode continuar. E se a posição dela for outra a atitude da Igreja vai ser diferente. Eu hein? É para a Dilma ser ela mesma ou não? Vai haver diálogo ou não? Aliás por que não pode haver diálogo com quem quer que seja, desde que ele seja ele mesmo? Por que fugir do debate com quem pensa diferente?

Até o momento, não sabemos como será, pois ela assumiu a posição do ex-presidente Lula, que é impossível moralmente. Ele diz que tem uma posição pessoal como homem de fé e outra como presidente, como homem de Estado. Ora, a gente tem apenas uma moral, e não duas.

Verdade. Moral é uma só. E não tenho conhecimento de que paises democráticos em geral incitem seus cidadãos à libertinagem, à sacanagem pura e simples. Jogando no lixo valores morais e éticos. Tá me parecendo que esse bispo considera-se o guardião da moral dele mesmo. Se ele desse uma olhada por baixo de algumas batinas que o rodeiam, talvez mudasse de idéia, mas não vamos falar disso por que é até covardia. Eu só gostaria saber se em alguma Constituição - Constituição que é a baliza dos dirigentes de governos inclusive do Lula - de algum país democratico não estejam garantidos todos os direitos à vida humana tais como dignidade, liberdade, segurança fisica e intelectual, saúde e usufruto dos bens públicos. Se existir uma só que não contemple esses principios, rasguemos todas as demais Constituições de todos os países e adotemos a tabua dos dez mandamentos como regulador das sociedades, e que os casos não previstos sejam levados ao Bispo.

Muitas igrejas têm bancada no Congresso. Qual sua opinião sobre a separação entre religião e política e a possibilidade de mistura entre os dois campos?
 
A separação entre igreja e Estado foi uma conquista e representa uma grande vantagem democrática em relação ao passado, quando havia a imposição da religião sobre o Estado.

Alvissaras! Alegrai-vos!

O problema é que muitas vezes não fica claro se estão usando a afirmação do caráter laico do Estado para dizer que ele é ateu e que o cidadão religioso não tem lugar na discussão política. Aí já é complicado, porque é preciso haver liberdade religiosa e respeito a essas posições.Esse equilíbrio é que ainda não apareceu, e o debate acaba sendo recheado por posições já tomadas de antemão.

Opa! Retiro as expressões de alegria. De novo fiquei confuso. O bispo defende a liberdade religiosa no que faz muitissimo bem. Mas quer associar o laicismo ao ateismo e isto está muito errado. E está absurdamente errado sugerir que o ateismo despreza os cidadão religioso. Individuos de todas as profissões religiosas e os que não professam religião nenhuma, desde que não sejam intransigentes, podem muito bem estar de acordo sobre assuntos que atinjam o coletivo. Eu posso achar uma coisa muito natural para mim individualmente ou para um grupo restrito, mas preciso entender que ela pode não ser natural para a coletividade.

Mas não podemos considerar que a experiência religiosa esteja reduzida apenas à dimensão da consciência ou à dimensão pessoal, como se não tivesse nenhuma função social. Por isso é que a Igreja Católica está recuperando a atenção à política.

Sem duvida que a religião tem sim uma função social. A religião pode ser um excelente instrumento para exercicio da humanidade, da caridade, da solidariedade e tantas outras virtudes que ao me ver são desprezadas na hora de se discutir por exemplo se é certo uma mulher ser estrupada por um marido bebado e violento e ser obrigada a manter para o resto da vida esse ato insano com nome e sobrenome. O que será que se passa no coração de uma mulher que dá a luz a uma criança que ela sabe, e só ela sabe - e a solidão desses momentos é especialmente cruel - que foi gerada em meio à violencia e ao machismo?


Como o sr. vê o forte crescimento das igrejas evangélicas, em especial entre as classes mais baixas?
 
Muitos desses movimentos religiosos mais modernos não exprimem uma fidelidade à doutrina do Evangelho como ela é --escolhem apenas partes e, às vezes, assumem compromissos com coisas que não são corretas. Por exemplo, há igrejas que têm compromisso fortíssimo com a arrecadação de dinheiro.

Vocês se lembram que lá atrás ele considerou importante a "alternativa" Marina ( evangélica confessa) como sendo um crescimento da consciência política e do diálogo democrático? Acho que aqui nesse trecho ele esqueceu do que disse. Deve ter esquecido também que, ao que se sabe, a Igreja vive de dizimos e donativos.

Por que essas igrejas têm tido mais êxito entre os pobres do que a Igreja Católica?
 
Não sei dizer uma razão particular. Sei que, hoje, essas igrejas usam os meios de comunicação de maneira muito forte, com motivações psicológicas... Isso tem uma força sobre as pessoas, que têm uma dimensão religiosa grande no coração.

Como é do conhecimento de todos, aqui no Brasil quase todos nós somos "obrigados" a sermos católicos desde que nascemos. Até ai nada demais. Tradições familiares são assim mesmo. O que não pode, é fazer de conta que o outro usa errado os mesmissimos instrumentos que a Igreja usa para a confirmação ou continuação da fé católica. Vide encontros e acampamentos com forte apelo emocional e pesicológico, pessoas de denominações religiosas diferentes precisarem de licença especial para casar-se na Igreja, padres cantores, canais de TV, etc...

Mas a Igreja Católica não segue essa estrada. Há muito de proselitismo por trás [de outras igrejas], não só de verdade. E nosso caminho [da Igreja Católica] não é o proselitismo, é o testemunho.

 O sr. poderia citar alguma em particular?

Prefiro não citar nenhuma. O importante é mencionar o fenômeno. As pessoas sabem que isso existe.

Pra terminar eu quero testemunhar o seguinte: muitas vezes no tempo em que eu andava por sacristias e salões paroquiais eu fui levado a crer que a Igreja Católica era fiel depósitária, herdeira vitalicia e guardiã dos ensinamentos cristãos que seriam, como se sabe, os únicos ensinamentos com conteudo moral e ético.

Ocorre que o que existe na verdade é um ensinamento eclesial e não um ensinamento cristão. Nós leigos católicos somos levados a olhar para dentro das paredes da Igreja e não para o mundo. Somos levados a crer que sendo apenas uma a religião "aceita" por Deus, entendemos que o amor não é universal, mas sim algo a ser praticado entre um pequeno grupo.

Jesus Cristo, de quem deriva - perdoem por dizer o óbvio - o cristianismo andava pelas ruas e praças, falando direto com as pessoas, sem regras confusas, sem conceitos pré estabelecidos, sem hirarquias e sem julgar ou condenar ninguém. Ele repetia todos os dias: amem-se. Simples assim, sem artigos, nem incisos, nem paragrafos, nem condicionantes: amem-se apenas. Jesus Cristo não construiu um templo para aprisionar o amor ou para convidar as pessoas que nele entrassem para purificarem-se

Tudo que hoje estamos discutindo como certo ou errado do ponto de vista moral,  foi na verdade semeado pela Igreja. Se nossa sociedade hoje vive uma crise talvez sem precedentes de angústias e aflições, de dúvidas e incertezas, uma crise serissima de ética e moral, deve-se ao ensinamento eclesial que priorizou a hierarquia,  burocratizou o amor ao próximo, e deu ares cartoriais à solidariedade e à caridade.

A Igreja insiste em chamar aos que dela discordam de imorais e libertinos. Só faz perde-los de vez.  São seres humanos apenas. Contribuintes da historia universal, da construção do mundo, da fantástica e muito pouco entendida aventura que é viver.

Fiquem em paz,
Jonas