segunda-feira, 17 de setembro de 2012

Nossa liberdade já tem dono.

Enquanto nosotros acá nos quedamos a debater sobre como proteger a tal da liberdade de expressão, eis que de repente, essa gentil senhora é violentada justamente pelo ator menos suspeito dessa conversa toda: justamente o ícone mais aclamado da internet tido como o baluarte maior da liberdade de expressão multinacional, o Google.

Deu-se o seguinte.

Dizem por ai que um filme de produção muito tosca e que ironiza o profeta Maomé, apresentando-o como idiota, reacendeu o ódio já tantas vezes declarado de grande parte do povo islâmico contra os Estados Unidos. O tal vídeo produzido nos Estados Unidos foi colocado no YouTube, porém ressalte-se que não é nem de longe um campeão de visualizações.

E mesmo assim, sendo este video  considerado a principal razão da revolta que já causou inclusive a morte de um embaixador americano, veio a senhora Hillary Clinton dizer que apesar de considerar o vídeo repulsivo nada poderia fazer no sentido de proibir sua exibição uma vez que a Constituição americana garante a liberdade de expressão.

Ótimo. Muito parecido com alguns discursos que a gente ouve aqui no Brasil.

Mas o surpreendente veio logo a seguir: por inciativa própria, o Google - proprietário do YouTube- retirou o vídeo do ar em vários países árabes! Temos então que uma empresa privada resolveu fazer censura colocando-se acima da soberania de vários países, quiçá ferindo as Constituições de todos eles ! E determinando ela mesma o que os cidadãos de uma parte considerável do mundo deve ou não deve assistir!

Alguns poderão dizer que foi um gesto benéfico na direção da paz. Mas ora vejam se nem os Estados Unidos, useiro e vezeiro em pisotear a soberania de nações mundo afora, topou censurar, como justificar essa inciativa de uma empresa privada?

Sem querer polemizar, tem uma pergunta que não pode deixar de ser feita:  teria o Google a mesma atitude em relação a exibição de qualquer vídeo na Europa ou nos Estados Unidos? Desconfio que não.

Como eu disse lá no inicio a discussão sobre liberdade parece estar se tornando estéril ou no mínimo incompleta, senão passar a incluir o poderio gigantesco de uns poucos sobre a comunicação global.

O que para muitos ainda parece impossível pode estar se tornando uma triste realidade: a internet assim como todos os demais meios de comunicação poderá ser também  propriedade de uns poucos.

Aproveitemos enquanto dá. Pois pode ser que venham dias em que nem esse modesto Saúva poderá ser escrito sem pedir licença para algum senhor.


sábado, 15 de setembro de 2012

O que queremos ver

Sempre que o assunto é informação, cultura e lazer via mídia, há um consenso sobre a indigência do que é divulgado na imprensa escrita, falada e enxergada.

E é bem comum ouvir-se argumento de que é isso que o povo quer ler, ouvir e ver.

O que muitas vezes dá a impressão é que há um movimento não articulado e não declarado, porém convergente, de uma parte significativa de todos os que lidam com informação e cultura, na direção de ou manter o baixo nível informativo e cultural ou espetacularizar assuntos de interesse de pequenos grupos.

Por estes dias o caso do julgamento da AP 470, "mensalão", é um exemplo gritante de como os responsáveis pela informação podem dirigir e pautar um assunto de acordo com seus interesses, sendo que nesse caso o interesse é a acusar e condenar os opositores e nada mais que isso.

O que salta aos olhos é o excessivo destaque para a demonstração das maracutaias praticadas por um grupo de pessoas e suas respectivas condenações, mas não se vê o debate sobre como isso aconteceu, que oportunidades foram dadas para isso, e quais as possíveis soluções sobre como evita-las no futuro.

Muito menos deixa-se entrever que se trata de crimes feitos por um grupo de indivíduos que, embora abrigados sob um legenda partidária, não tem o poder de conduzir todos os milhares de partidários e simpatizantes da mesma legenda. Em outras palavras o que imprensa tem destacado é algo como se havendo um corintiano bandido todos os demais corintianos são bandidos. Eu aqui, esse pobre e pretencioso escriba, razoavelmente honesto e cumpridor dos meus deveres já estou começando a ter vergonha de dizer que sou eleitor do PT sem ser olhado como bandido, inclusive por familiares.

E ontem em São Paulo, no Rodoanel, aconteceu um protesto de moradores de um bairro marginal a esta via, protesto em que aqueles moradores queriam chamar a atenção para seus problemas de moradia.

E a repórter que dava a noticia teve a cara de pau de dizer que não sabia a razão do protesto, mas que o congestionamento causado era enorme e que os motoristas no local tinham aquela manhã muito tumultuada por conta do tal protesto. E só isso e nada mais. (Nesse momento vale lembrar que 06 dias por ano uma das pistas da marginal do Tiete, na mesma cidade de São Paulo, fica fechada para dar espaço para Formula Indy e a TV não mostra motoristas indignados com a confusão no transito.)

Fatos como o protesto dos moradores merecem reflexão um tanto mais profunda de toda a sociedade. Não é o caso de apenas olharmos para a justificada raiva daqueles que tiveram que se atrasar para seus compromissos por conta do congestionamento, mas em especial é necessário chamar para o debate os responsáveis pelas politicas habitacionais de todas as esferas e saber que providencias podem ser tomadas para resolver o problema. E cabe aos jornais e televisões promoverem esses debates e não tratarem o assunto apenas como mais uma confusão no transito.

Se nestes dois exemplos podemos perceber a manipulação do que realmente importa como informação e noticia para a população a mesma coisa se dá nas informações e noticias cotidianas da mídia em geral.

Será que não dá ao menos uma ou duas vezes por semana em horário nobre exibir a discografia de um Jobim ou de um  Chico Buarque?  Não será possível ao menos uma vez ou duas por mês exibir a biografia de um Drummond ou de um Fernando Pessoa? E que tal debates públicos sobre as demandas das populações locais, do país e do mundo com a presença de não só as autoridades envolvidas mas também técnicos, estudiosos e todos os diretamente interessados?  

Ao invés de encherem nossas cabeças de Hulks, Datenas e seus assemelhados?

Dá, claro que dá. Mas da mesma forma que não interessa debater sobre mecanismos que detenham a corrupção e do mesmo jeito que não interessa saber as razões que fazem pessoas interditarem importante via de transito, também não interessa entregar aos indivíduos cultura, lazer e informação que os levem a formar juízos sobre si mesmos e sobre tudo o mais que o cerca.

A informação e a cultura são bens da humanidade. E como tal devem ser minimamente protegidos e o seu acesso garantido pelos governos a todos os cidadãos. Negar cultura e em especial a informação é roubar a verdade. E roubo é crime. 

Governos que não tomam nenhuma atitude com as centenas de roubos da verdade cometidos diariamente pelos veículos de comunicação em geral são coautores destes crimes. 

Governos inertes diante das calunias, difamações e distorções ditas diariamente na mídia em lugar da verdade deixam a impressão de que tem coisas a esconder.

Governos que concordam em ver a população tendo seus cérebros embotados  pelos eternos e repetitivos enredos de novelas, em cujo universo o mundo se resume apenas em mocinhos e bandidos, e por cínicos Gugus travestidos de Robin Woods, são governos que não querem promover em seu país a erradicação de uma outra miséria, quem sabe tão fatal quanto a miséria de bens materiais, que nasce da carência de cultura e informação.