quinta-feira, 29 de março de 2012

Dr. Rosinha: Não teve graça


Carta Capital, diga-se de passagem a melhor revista semanal do Brasil, traz na edição de número 689, do último dia 21 de março, uma pequena nota com o título “Não teve graça”. Não só a reproduzo, mas também roubo o título dela para nominar este artigo.


“A patrulha antipoliticamente correta achou que era boa ideia: antes do show de comédia, o cliente se comprometia a não se ofender com as piadas sobre negros, mulheres, gays e deficientes.

Faltou combinar com a banda. Ao ser chamado de macaco em pleno palco, o tecladista Raphael Lopes saiu do local e chamou a polícia. A confusão marcou a primeira noite de humor Proibidão, no Kitsch Club, em São Paulo.

A ofensa aconteceu quando o comediante Felipe Hamachi fez uma piada na qual relacionava a Aids com o sexo entre humanos e macacos e olhou para Raphael, que é negro.”

Ao olhar para Raphael, Hamachi ofendeu-o diretamente. Mas, mesmo que não tivesse olhado para o tecladista, estava ofendendo-o e ofendendo também os homens e mulheres minimamente inteligentes.
Isto não teve graça e tantas outras piadas, ações, atos e gestos preconceituosos realizados cotidianamente tampouco tiveram ou têm graça.

Como pode alguém, como que se prevenindo de possíveis crimes por preconceitos, pedir ao cliente que “não se ofenda” com as piadas sobre negros, mulheres, gays e deficientes, se vivemos num país preconceituoso e machista?

Este tipo de comportamento só faz alimentar o preconceito e o machismo. Machismo que leva a crimes, alguns bárbaros, como  o que ocorreu em Queimadas, na Paraíba.

Em Queimadas, na madrugada do último 12 de fevereiro, ocorreu uma “festa de aniversário”. O aniversariante pediu como “presente” algumas meninas, e que as mesmas fossem escolhidas a “dedo”.
Para que o presente fosse completo, não poderia haver alarde e tampouco gritos, por isso foram compradas cordas, panos para elaborar capuz, meias e esparadrapos para vedar a boca.

O capuz era para cobrir o rosto das convidadas, as cordas para amarrá-las e as meias e esparadrapos, para vedar a boca para que não pudessem gritar. Tudo planejado, agora era ir para a festa-crime.

Durante a “festa” de aniversário, duas delas conseguiram reconhecer os “festeiros” criminosos. As duas foram amarradas, vedadas e colocadas  na carroceria de um Fiat Strada, e levadas como reféns.
Na cidade, em frente à igreja Nossa Senhora da Guia, uma delas conseguiu pular e, ali mesmo, foi baleada e morta. A outra foi encontrada, no dia seguinte, morta, na carroceria do carro, amarrada, despida e com meias na boca.

Aparecida Gonçalves, da Secretaria Nacional de Enfrentamento da Violência contra a Mulher, trouxe, na semana passada, este fato para a CPI mista que investiga as causas da violência contra as mulheres. Pediu que o adotemos como um caso simbólico do machismo.

Mesmo com a enorme subnotificação que há no país, a taxa de homicídios de mulheres é alta. Essa taxa é o número de homicídios a cada 100 mil mulheres. A média nacional, em 2010, foi de 4,4.
Aviso para quem não é da área: a taxa brasileira é altíssima.

O Estado em que mais se matam mulheres é o Espírito Santo, com o coeficiente de 9,4. Em segundo, Alagoas (8,3). Talvez por ser da região Sul do país, pouco se fala a respeito, mas o Paraná é o terceiro do ranking, com uma taxa de 6,3 assassinatos a cada 100 mil mulheres.

Não se divulga, mas o Paraná e sua capital Curitiba têm uma alta incidência de violência e, consequentemente, uma alta taxa de homicídios. Está à frente inclusive da própria Paraíba, que ocupa o quarto lugar (6,0) entre os Estados onde há mais assassinatos de mulheres.

Cida Gonçalves, como a conhecemos, iniciou sua apresentação na CPI com a seguinte frase: “O simples fato de nascer mulher constitui um fator de risco em determinadas conjunturas sociais” (o realce da frase é por minha conta).

É isto mesmo que ocorreu em Queimadas. Só o fato de ter nascido mulher já a predispõe a ser vítima.
O crime em questão foi fruto do machismo e da impunidade para esses tipos de delito. Ou alguém imagina que um grupo de mulheres organizaria uma “festa” com esse teor macabro?

Só a cabeça doentia do machista faz isso. Esta festa, assim como a piada de Felipe Hamachi, mesmo para o mais radical dos machistas, não teve graça.

Dr. Rosinha, médico com especialização em Pediatria, Saúde Pública e Medicina do Trabalho, é deputado federal (PT-PR). No twitter: @DrRosinha

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