A grande crise que nos assola não é nenhuma dessas que ocupam
diariamente o noticiário político. Para mim, a raiz de tudo está na
crise de caráter que atinge todos os setores da vida brasileira,
públicos ou privados, de todas as latitudes e classes sociais.
Só faltava essa: não escapou nem o bar que vende o melhor chope da
cidade há mais de 70 anos. Quem vive aqui ou já passou por São Paulo
certamente ouviu pelo menos falar do Bar Léo e do seu chope cremoso
vendido numa esquina da velha "boca do lixo", no centro da cidade.
Os Demóstenes um dia passam, mas seus maus exemplos ficam. Pois não é
que justamente o Bar Léo, um reduto das melhores tradições paulistanas,
que frequento desde rapaz, estava vendendo gato por lebre, quer dizer,
servindo outro produto do qual nunca havia ouvido falar no lugar do
chope Brahma que fez a fama da casa?
Um freguês desconfiou do gosto do chope, foi reclamar na polícia e,
na semana passada, interditaram o bar, sem choro nem vela. Por que
fizeram isso com a gente?
Madir Milan, 77 anos, responsável pelo estabelecimento, admitiu à
polícia que trocou o chope da Brahma por um mais barato para ter um
lucro maior na venda porque o bar está com muitas dívidas, enfrentando
uma difícil situação financeira.
Não parece a mesma história do assessor do Ministério da Saúde que
admitiu ter recebido uma propina de R$ 200 mil para pagar dívidas da sua
campanha eleitoral?
Por trás de tudo isso que a gente vê de errado na vida cotidiana está
o ambiente generalizado de vale-tudo e de impunidade, são os exemplos
que vêm de cima.
O delegado Marcelo Jacobucci mandou prender o gerente Nilson França
de Souza, mas ele foi solto no dia seguinte. Mais dia, menos dia, o bar
vai reabrir, assim espero. E ninguém será punido. Afinal, perto de tudo o
que está acontecendo, trata-se, vamos dizer assim, de um pecado venial.
Demoraram tanto para descobrir que o chope era fajuto como para
revelar que o senador era sócio do bicheiro. Tinham certeza de que
ninguém iria perceber. "O Bar Léo vai reabrir, em nome de Deus",
garantiu Madir Milan ao repórter Giba Bergamim Jr., na edição da Folha
desta terça-feira. Melhor assim.
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