Costa e Silva é uma via elevada em São Paulo que faz parte da ligação Leste-Oeste da cidade.
Costa e Silva foi um marechal gaúcho que ocupou a presidência da
República durante a ditadura militar, dando início à fase mais cinza dos
Anos de Chumbo. Sob seu governo, foi promulgado o Ato Institucional
número 5, que possibilitava ao próprio Costa e Silva, entre outros
mimos, fechar o Congresso, suspender eleições sindicais, cassar
políticos, elevar a censura, aumentar o aparato de repressão
institucional e proibir manifestações sobre assunto de natureza
política.
O Cordão da Mentira foi uma manifestação sobre assunto de natureza
política que reuniu dezenas de pessoas neste domingo (1) para relembrar o
aniversário do golpe de 64, do qual participou Costa e Silva. Com uma
fanfarra bem-humorada, passaram por locais simbólicos da ditadura, como o
Dops (Departamento de Ordem Política e Social, onde opositores ao
regime eram moídos). Ou que representam uma herança dela – como a
Cracolância, por ter sido palco de violenta desocupação pela polícia
militar meses atrás. E, como sabemos, cacetete e bomba de gás são
instrumentos didático-pedagógicos de desenvolvimento da cidadania
aprimorados durante a Gloriosa.
Em determinado momento, o Cordão passou por baixo do Costa e Silva, e
– sem saber – encurralou o marechal. Pois, enquanto isso, no elevado,
ocorria outra manifestação sobre assunto de natureza política.
O Piquenique Voador foi uma ação que cobriu com grama artificial um
trecho do Costa e Silva, instalando piscinas para a refrescar o domingo
da molecada. Guarda-sóis juntaram famílias que puderam almoçar no
viaduto, sob o olhar desconfiado dos prédios que cercam a via, e
discutir a ocupacão do espaço urbano em uma cidade que pertence aos
carros. O Piquenique fez parte do festival Baixo Centro que, durante dez dias, fez intervenções na região central da cidade.
Há mais de quatro décadas, o Cordão da Mentira e o Baixo Centro seriam impossíveis. Lógicas subversivas que se complementam.
Afinal de contas, ao esquecer o passado ignoramos as bases sob a qual
foi construída a nossa vida cotidiana. E há algo mais assustador e belo
do que reivindicar para si o direito a fazer política sobre a própria
pólis?
Há uma nova geração que vai às ruas para protestar pelo direito de
protestar. E mesmo respirando gás lacrimogênio, levando balas de
borracha e tomando cacetada da polícia (o que não foi o caso, desta
vez), retorna e retorna. Polícia que sabe muito bem como se comportar em
uma democracia com participação popular, uma vez que foi treinada pela
ditadura militar e recebeu o aval para a manutenção de suas práticas
através da anistia concedida a torturadores.
Os problemas enfrentados pelos movimentos envolvidos nesses atos
políticos não são pontuais, mas sim decorrência de uma estrutura que
está caindo de velha e que precisa se renovar. Seja através do diálogo e
da construção coletiva, seja através da renovação geracional. Está em
curso uma lenta, mas inexorável, revolução feita por aqueles que querem
ter o direito de serem livres para se expressar, viver e amar, tendo a
garantia de sua dignidade respeitada.
A esperança de São Paulo é que uma nova geração, liberal em costumes,
progressista politicamente, consciente com relação ao meio ambiente e
aos direitos sociais e civis, menos arrogante e com uma atuação
realmente federalista, se fortaleça em meio à decadência quatrocentona,
travestida de pseudo-modernidade ao longo do século 20, que ainda grassa
por aqui.
Que adquire na forma de Costa e Silva, o elevado, um símbolo de sua
idéia de progresso que deveria ter ficado para trás junto com Costa e
Silva, o marechal.
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