Em 2008, o então governador José Serra (PSDB) implantou, na área
educacional, uma política desenvolvida no governo do presidente George
W. Bush, dos EUA, cujos efeitos estão longe de aprimorar a educação.
Estou falando da vinculação da nota dos alunos no Sistema de
Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo – o Saresp — a
benefícios financeiros aos professores — o chamado bônus por mérito.
Só que essa política é equivocada. Nós, professores, sabemos muito
bem que a prova é uma das formas de avaliação do processo educacional de
um aluno, mas não deve ser a única a ser considerada. Afinal, às vezes
um ótimo aluno vai mal numa prova, pois não estava passando bem naquele
dia.
O Saresp e o bônus por mérito fazem parte de uma lógica perversa de
responsabilizar os professores e a escola pelo fracasso escolar. Com
isso, o governo paulista se isenta de responsabilidade pela péssima
situação da educação no Estado.
O Saresp tem problemas graves de concepção, já que não há em sua
matriz um substrato teórico que fundamente os conceitos de competência e
habilidade, além de misturá-los com conteúdos.
Mais. Ao atrelar recebimento de dinheiro pela equipe escolar ao desempenho do aluno abre a porta para fraudes, como a denunciada pelo portal IG e reproduzida aqui. Numa escola de Sorocaba, os professores ajudaram os alunos a ter o melhor desempenho do Estado. Em 2010, o jornal Agora também denunciou esta situação:
“Na escola Dr. João
Ernesto Faggin, em Cidade Ademar (zona sul), estudantes e um professor
contam que docentes aplicaram provas para suas próprias turmas, o que
não é permitido –salvo exceções para escolas isoladas, o que não é o
caso. O professor disse à reportagem que testemunhou colegas ajudando os
estudantes nas questões. A direção da escola nega.
A reportagem obteve vários relatos de uso
do celular durante a prova. Problemas nos gabaritos são os relatos mais
comuns. No interior de SP, em ao menos 18 escolas, alunos receberam
gabaritos com uma numeração diferente da que havia no caderno de
perguntas. Estudantes temem que o erro faça com que respostas corretas
sejam consideradas erradas, já que a prova pode ser de um tipo diferente
do gabarito.
Foram aplicados 26 tipos diferentes de
prova. Estudantes temem que o erro faça com que respostas corretas sejam
consideradas erradas. ”
No Saresp de 2011, novamente problemas. Dois dias antes do pagamento do bônus, em 28 de março de 2012, o Diário Oficial do Estado de São Paulo
publicou portaria do chefe do gabinete do secretário de Educação sobre
investigações abertas nas diretorias de ensino Leste 4 e Sul 2 (capital
paulista) e em São Vicente. Somam sete processos semelhantes ao
reproduzido abaixo:
“EM FACE DA SOLICITAÇÃO DA COMISSÃO ESPECIAL CONSTITUÍDA PELA RESOLUÇÃO SE Nº 76, DE 01-12-2011 (FLS. 15),
AS SERVIDORAS FRANCISCA ALVES DE
LIMA, R.G. 11.358.624, PAULO DONIZETE DE SOUZA CRUZ, RG 21.449.943 E
BERNADETE APARECIDA PEREIRA GODOI RG 16.684.390, TODASSUPERVISORAS DE
ENSINO CLASSIFICADAS NA DIRETORIA DE ENSINO – SUL 2, PARA PROMOVER A
APURAÇÃO DOS FATOS RELATADOS NA DENÚNCIA E RECLAMAÇÃO RELATIVA
AO SARESP/2011, APRESENTANDO
RELATÓRIO CONCLUSIVO QUANTO EVENTUAL CARACTERIZAÇÃO DA INFRAÇÃO E
RESPONSABILIDADE FUNCIONAL, NO PRAZO DE 30 (TRINTA) DIAS. (PROCESSO nº
02145/0000/2012)”
Os problemas relativos ao Saresp, portanto, atingem várias áreas do Estado de São Paulo.
O fato é que a sistemática do bônus por mérito estimula fraudes e
pode levar ao que ocorreu nos Estados Unidos, especialmente em Nova
York. Lá, índices foram fraudados ao longo de 10 anos e, ao final das
apurações, levaram à demissão de 200 mil professores.
Diante disso, o governo paulista deveria por fim à vinculação de
vantagens econômicas para professores às notas de provas, mensurando o
desempenho dos alunos.
É, sim, uma medida radical, mas necessária. Se não se atacar o
problema pela raiz, a corda (como já estamos vendo) vai arrebentar do
lado dos professores e demais servidores da educação, que acabarão
punidos.
O governo Geraldo Alckmin (PSDB) afirma que destinou R$ 580 milhões
para o bônus pago agora em 2012; em 2011, foram R$ 340 milhões e em
2010, R$ 650 milhões.
Logo, podemos afirmar que, em relação ao valor pago em 2010, houve redução de R$ 116 milhões, ou 18%.
Mas a questão central nem é essa. Os recursos do bônus garantiriam
aproximadamente R$ 2.300,00/ano para cada servidor. É algo em torno de
R$ 200 por mês, que seriam levados em consideração para a aposentadoria e
todas as vantagens do cargo, ou seja: evolução funcional, qüinqüênios,
sexta parte. Assim, o servidor, se tiver sorte, ganha no curto prazo,
mas perde no longo prazo.
O governo paulista fez uma mudança na sistemática dos pagamentos do
bônus por mérito para contemplar escolas que tiveram em 2012 nota
melhor que a obtida em 2011, mas não alcançaram a meta.Isso explica o
maior número de profissionais contemplados.
Mas se olharmos uma tabela somente disponibilizada no Diário Oficial do Estado
de 31 de março de 2012, veremos que 57% das escolas de ensino
fundamental ciclo I (1º ao 5º ano) cumpriram a meta, mas em 2009 esse
percentual foi bem maior: 74%.
Já entre as escolas do ensino fundamental ciclo II (6º ao 9 ano)
apenas 37% cumpriram a meta; em 2009, 63%. Entre as escolas de ensino
médio, 33,5% atingiram as metas; em 2008, 84%.
Por último, lembro que uma das formas de alterar os resultados desses
testes de avaliação de desempenho é excluir os alunos mais fracos da
prova. Logo, não são todos os que a fazem, apenas os melhores.
Infelizmente o governo paulista não apresenta uma tabela de quantos
alunos por escola fizeram a prova e qual foi anota deles. Deste modo, a
redução do número de alunos “mais fracos” pode também ajudar a ter um
melhor resultado sem que haja efetivamente uma educação de qualidade.
A realidade da educação paulista, portanto, não é tão bela como
afirma a propaganda tucana. Desde 2007, o Tribunal de Contas do Estado
vem apontando a falta de transparência nos gastos da Fundação de
Desenvolvimento da Educação (FDE) de São Paulo. É que, no sistema de
controle, não aparece como foram gastos quase R$ 8 bilhões nos últimos
cinco anos.
Além disso, a FDE é presididopor Bernardo Ortiz acusado de laços com a
máfia da merenda em Taubaté, quando foi prefeito, e outros
questionamentos judiciais. Como um ficha suja dirige uma instituição que
gasta quase R$ 2 bilhões por ano?
A melhora efetiva da educação paulista passa pelo uso adequado dos
recursos públicos e pela total transparência dos recursos e despesas da
FDE.É necessário também mais autoridade e menos autoritarismo na gestão
da rede de ensino.
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