Acompanhei nessa manhã a manifestação organizada por jovens do
movimento ”Levante Popular” em frente à empresa de Davi dos Santos
Araújo, o “Capitão Lisboa”.
Davi, na verdade, nunca foi capitão. Era delegado de polícia,
trabalhou no DOI-CODI em São Paulo e é acusado de torturas, assassinatos
e abusos sexuais durante a ditadura.
Um ponto a destacar: a manifestação de hoje, em São Paulo, foi
coordenada e comandada por jovens. A maioria ali não tinha nascido
quando a ditadura acabou.
Outro ponto: é a primeira vez que ato desse tipo acontece no Brasil. É
o chamado “esculacho” (ou “escrache”, como dizem os argentinos). A
inspiração, aliás, vem da Argentina, onde torturadores são escrachados,
julgados e condenados.
O ato em São Paulo não foi o único. Manifestaçõe semelhantes
ocorreram em Porto Alegre, Belo Horizonte, Fortaleza, Rio, Belém… Todas
foram coordenadas pelo “Levante Popular da Juventude”. A
entidade une jovens de bairros da periferia, de assentamentos rurais e
também do movimento estudantil. É uma turma que decidiu privilegiar
“ações diretas” para intervir no debate nacional. O movimento nasceu em
fevereiro, no Rio Grande do Sul, e se organiza em céulas pelo Brasil.
Hoje, testemunhei a capacidade de organização desse povo. Os
manifestantes saíram do centro de São Paulo, em grupos pequenos. Sabiam
que participariam de uma ação contra um homem acusado de torturas. Mas
não sabiam endereço nem nome do acusado. Isso ficou só pra quatro ou
cinco líderes. Tudo em nome da segurança. Afinal, do outro lado está a
“tigrada” da ditadura.
As manifestações, disseram-me alguns jovens, é resposta ao
manifesto dos militares de pijama, que tentam barrar a Comissão da
Verdade de Dilma.
Mais informações sobre as manifestações em todo o Brasil, você acha aqui no site do Levante.
E mais detalhes sobre as acusações contra o “Capitão Lisboa”, que
hoje comanda uma lucrativa empresa de segurança em São Paulo, você
encontra no texto da Tatiana Merlino – da “Caros Amigos”, que reproduzo a
seguir.
A Tatiana, aliás, lembra-nos que entre os clientes da empresa de
segurança Dacala, do “Capitão Lisboa”, estão: Anhanguera Educacional,
Audi Tech, DHl, CSU, Exata Logística, Ford, Fuji, Galvão, Gattaz,
Hospital Santa Marcelina, Banco Itaú, Banco Safra, Banco Santander, Jac
Motors, Jaguar, JWT e Kia.
por Tatiana Merlino, na Caros Amigos
Com bumbos e gritando palavras de ordem como “torturador, preste
atenção, o levante vai te expôr para a nação!”, “pula, pula, pula, quem é
contra a repressão!”, e “não temos medo dos torturadores e
assassinos!”, cerca de 150 manifestantes do movimento social Levante
Popular da Juventude realizaram um ato de escracho em frente à empresa
de segurança privada Dacala, localizada na avenida Vereador José Diniz,
3700, na Zona Sul de São Paulo.
O proprietário da empresa é David dos Santos Araújo, delegado
aposentado da Polícia Civil, acusado de torturas, estupros e
assassinatos durante a ditadura civil-militar (1964-1985). Araújo atuava
no centro de repressão Destacamento de Operações de Informações do
Centro de Operação de Defesa Interna (DOI-Codi) sob o condinome “Capitão
Lisboa”, e é responsável, de acordo com ação do Ministério Público
Federal (MPF), pela tortura do jornalista Ivan Seixas, à época com 16
anos, e pelo e assassinato de seu pai, Joaquim Alencar de Seixas, entre
outros casos.
Ivan Seixas denunciou, em depoimento ao Dossiê Ditadura, que foi
pendurado em um “pau de arara”, enquanto seu pai foi colocado na
“cadeira do dragão”. Pai e filho foram torturados por uma equipe de
cinco pessoas, entre eles David dos Santos Araújo.
No currículo de Araújo também há a acusação de violência sexual, de
acordo com Ieda Seixas, em depoimento ao Ministério Público Federal.
Com um carro de som, camisetas e faixas, os manifestantes alertaram
os vizinhos da empresa. “É importante que saibam que este homem é um
torturador. O dono dessa empresa é um torturador. David dos Santos
Araújo é um torturador”, anunciou ao microfone Lira Alli, uma das
organizadoras do ato. Nos cartazes que os manifestantes portavam, em sua
maioria jovens, fotos de vítimas da ditadura, entre eles de Joaquim
Alencar de Seixas. “Não vamos descansar enquanto não soubermos nossa
história”, seguiu Lira, acompanhada de gritos e aplausos.
MEMÓRIA, VERDADE E JUSTIÇA
Os militantes também distribuíram um manifesto para as pessoas que
passavam na avenida, carros e pontos de ônibus. No texto, a organização
alerta. “Torturadores e apoiadores da ditadura militar: vocês não foram
absolvidos! Não podemos aceitar que vocês vivam suas vidas como se nada
tivesse acontecido enquanto, do nosso lado, o que resta são silêncio,
saudades e a loucura provocada pela tortura. Nós acreditamos na justiça e
não temos medo de denunciar os verdadeiros responsáveis por tanta dor e
sofrimento (..) Até que todos os torturadores sejam julgados, não
esquerecemos, nem descansaremos (..) Pela memória, verdade e justiça!”.
Durante a manifestação, procurado pela imprensa ali presente, David
dos Santos Araújo não apareceu. Os funcionários da empresa informaram
que o dono da Dacala ainda não havia chegado. “Ele chega sempre entre 10
e 11 da manhã, mas hoje não veio. Ele vem todo dia nesse horário e fica
até umas seis”, informou o segurança que se apresentou como Roberto
Pereira. Questionado sobre as informações denunciadas pelos
manifestantes, o funcionário disse: “Estou achando estranho, nunca
ninguém tinha comentado isso comigo”.
Outro funcionário, que se apresentou como Fábio, mas não quis dizer o
sobrenome, filmou boa parte do ato com seu celular de dentro da grade
que separa o estacionamento da entrada da empresa. “Para mim isso é
novidade”, declarou, ao ser perguntado sobre o envolvimento de Araújo em
crimes da ditadura. “Olha, não posso falar, sou só o funcionário e
posso perder meu emprego por algo que nem sabia que existia”, completou.
Ao lado da empresa, dois funcionários de uma drogaria vizinha à empresa comentavam: “nossa, você viu, o cara é um torturador”.
SEGURANÇA PRIVADA
Entre os clientes da Dacala estão as seguintes empresas: Anhanguera
Educacional, Audi Tech, DHl, CSU, Exata Logística, Ford, Fuji, Galvão,
Gattaz, Hospital Santa Marcelina, Banco Itaú, Banco Safra, Banco
Santander, Jac Motors, Jaguar, JWT e Kia.
De acordo com investigação da Polícia Federal, David dos Santos
Araújo é portador de 11 armas em situação ilegal. Por conta de
irregularidades, a empresa de segurança Osvil, de propriedade de Araújo,
perdeu o alvará de funcionamento como empresa de segurança que
autorizava o registro de armas. Assim, deveriam ser entregues à PF, o
que não ocorreu. Após a perda do alvará, Araújo abriu nova empresa de
segurança, a Dacala Segurança. Segundo o processo da PF, Araújo tem
mais de duzentas armas ilegais, além de um arsenal de oitocentas
regularmente registradas em nome da empresa Dacala, acusada também por
utilizar armas de fogo na atividade de segurança privada.
A ação organizada pelo Levante Popular ocorre simultaneamente em
várias capitais do país, defendendo a Comissão Nacional da Verdade e
denunciando os torturadores da ditadura e exigindo a apuração e punição
dos crimes cometidos durante a ditadura militar. As ações, conhecidas
como “escrache”, são inspiradas em ações semelhantes às que ocorrem na
Argentina e Chile, onde torturadores impunes são denunciados
publicamente.
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