Acostumada a distribuir lições de moral e civismo, todas as semanas, a
seus leitores, a revista Veja entrou numa pesada enrascada ética. Recém
nomeado para a cúpula da publicação, no cargo de redator-chefe,
dividido com outros dois profissionais, o diretor da sucursal da revista
em Brasília, Policarpo Jr., foi detectado num grampo legal feito pela
Polícia Federal em nada menos que 200 ligações telefônicas com o
contraventor Carlinhos Cachoeira.
Segundo o blog do jornalista Luis
Nassif, que primeiro noticiou a existência dos registros das gravações,
nas conversas Policarpo passava a Cachoeira informações sobre o que iria
sair na revista, ouvia ideias de pautas e recebia elogios de sua fonte.
Na prática, ambos compunham um circuito privilegiado de relações entre o
sub-mundo da ilegalidade e a alta mídia acima de qualquer suspeita.
A notícia sobre o flagrante nas relações entre um de seus
profissionais de ponta e um procurado pela Justiça, preso na Operação
Monte Carlo, da PF, parece ter assustado o comando da publicação.
Procurado por 247, o diretor de redação Eurípedes Alcântara não quis dar
entrevista. Ele não tem dado muita sorte com redatores-chefes
ultimamente. Em dezembro, precisou demitir do cargo seu antigo parceiro
Mario Sabino, abatido por traquinagens como a de coordenar uma
reportagem que terminou numa delegacia de polícia, sob acusação de
invasão de domicílio. O profissional que deveria substituí-lo, o
jornalista André Petry, chefe do escritório da revista em Nova York, foi
barrado por Eurípedes que, no melhor estilo dividir para reinar,
conseguiu a nomeação de três colaboradores para a mesma função. Entre
eles, o grampeado Policarpo.
O diretor de Veja em Brasília é conhecido entre os colegas por ter
ótimas fontes na Polícia Federal, de onde teria saído a maior carga de
munição para o verdadeiro paiol de escândalos em que a revista foi
transformada. À medida em que jornalistas como Policarpo Jr. passaram a
crescer no expediente da revista, galgando cargos cada vez mais
importantes, mais Veja se tornou arauto da moralidade, distribuindo não
apenas acusações fortes contra diferentes autoridades, mas também
espalhando sentenças de condenação ética aos envolvidos. Veja tornou-se
um tribunal de acusação, uma praça condenatória e uma dura corte de
apelação.
E agora, como a revista vai agir diante do escândalo que liga seu
diretor em Brasília a um contraventor cuja estratégia, como se vê pelas
ligações dele com o senador Demóstenes Torres (DEM-GO), era, exatamente,
a de se infiltrar no chamado establishment? Será que o procurado
Cachoeira, com seus interesses inconfessáveis à lei, pautou Veja?
Receptor de informações privilegiadas sobre a condução do noticiário da
revista de maior circulação em papel do País, como Cachoeira usava as
mensagens que recebia do diretor de Brasília? É mesmo possível que essa
relação não tenha poluído a propalada isenção da publicação? Há ligações
entre as posições que ele defendia, a favor da legalização do jogo no
Brasil, por exemplo, e as que a revista abraçou editorialmente?
Sobre essas interrogações, Veja agora faz silêncio. 247 procurou
tanto Policarpo, em Brasília, como Eurípedes, em São Paulo, sem obter
retorno. Numa decisão que pode, certamente, ter envolvido a ambos, Veja
não publicou em sua edição de papel, mas noticiou no seu serviço online
sobre os estragos que as ligações de Cachoeira no meio político vêm
fazendo nas reputações de políticos e executivos públicos envolvidos com
ele. Com Policarpo, de Veja, será diferente?
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