É uma situação inédita. Escândalos de corrupção não são novos, mas
nunca tivemos um dessa magnitude e nessas circunstâncias, envolvendo
jornalistas, parlamentares, governadores, empresários, funcionários
públicos. Nunca tivemos um inquérito inteiro à disposição de toda
sociedade aberta, num ambiente político altamente eletrificado pela
presença de redes sociais e blogosfera hiperativas e hipertreinadas em
função de seu embate diário com as maquinações da grande mídia.
Vamos tentar organizar as coisas. O que eu encontrei de mais grave
nos jornais, blogs e sites nesta segunda-feira foram os seguintes
escândalos:
- Gravações da operação Monte Carlo revelam que o vice-governador do DF, Tadeu Filipelli, do PMDB, armava para derrubar o seu titular, Agnelo Queiroz. Essa é uma denúncia muito grave porque explica em parte o chega pra lá que a presidenta andou dando no PMDB. Há outras gravações que revelam Agnelo como alvo constante de armações das mais sinistras máfias de Goiás e DF, entre elas a de Cachoeira, que não parava de achacar assessores e funcionários do governo, tentando obter facilidades. As gravações mostram que Filipelli dispendeu uma fortuna com jornalistas, entre os quais Mino Pedrosa (ex-assessor de Cachoeira), para montar escândalos midiáticos que enfraqueceriam o governador. E conseguiu. Agnelo Queiroz é hoje um governador bastante enfraquecido politicamente. Eu mesmo andei dando umas bordoadas no Agnelo. Essas novidades, porém, ajudam o governador a se mostrar como vítima, e com razão. Não estou dizendo que Agnelo é santo. Não ponho a mão no fogo por ele, nem por ninguém. Mas ele agora tem provas oficiais para mostrar que havia um complô (sim, complôs nem sempre são paranóias) contra si e contra seu governo, liderado pelo seu próprio vice e por Cachoeira, um dos mafiosos (como se sabe agora) mais poderosos – e perigosos – do país.
- As gravações da Monte Carlo, agora disponíveis na íntegra, ao mesmo tempo em que mostram o esquema Cachoeira tentando, sem muito sucesso, infiltrar-se no governo Agnelo, arrastam o governo de Marconi Perillo para o centro do furacão. É pagamento de não sei quantos milhões em dinheiro vivo a ser entregue no Palácio do governador. É Cachoeira mandando e desmandando no governo Perillo. É Cachoeira dando presente para a chefe de gabinete de Perillo. É Cachoeira e asseclas mencionando reuniões com Perillo para facilitar suas tramóias. É Perillo bajulando Cachoeira. É muita prova, muita intimidade, muita coisa. Tudo com esse Cachoeira é hiperbólico, amazônico, exagerado.
- Outra grave denúncia envolvendo Perillo e Cachoeira é o pagamento de um “mensalão” a Claudio Humberto, um notório vendilhão do jornalismo político.
- A Veja participou, juntamente com Cachoeira e Demóstenes, do planejamento da espionagem ilegal dos encontros de José Dirceu com seus colegas de partido, num hotel de Brasília.
- Diante das evidências de que a Revista Veja foi cúmplice, durante anos, de um esquema mafioso, emerge na blogosfera uma indignação muito grande contra o fato da publicação ter recebido dezenas de milhões de reais, sem licitação, do governo paulista. Uns falam em 52 milhões, outros em 34 milhões. Terceiros lembram ainda que o governo de SP já deu mais de R$ 250 milhões a grupos de mídia, nos últimos anos, sempre num esquema sem licitação. As maiores doações para a midiazona (ou seja, Veja, Folha, Estadão) aconteceram sob a gestão Serra. E o tucano contratou um jornalista da Veja para cuidar da sua campanha.
- De tudo isso, torna-se cada vez mais claro que o grande escândalo de corrupção, o pior de todos, porque envolve a sistemática manipulação da opinião pública em prol de bandidos e políticos mancomunados, está sendo destrinchado agora. A CPI do Cachoeira desmascarou não apenas um falso Catão do Senado, mas revelou também os bastidores sujos de uma imprensa totalmente descompromissada com a ética, pois aliou-se a bandidos para derrubar um governo democrático, visando promover os interesses do bandido e de si mesma, já que ambos estavam ligados politicamente, via PSDB e DEM.
- O blogueiro Eduardo Guimarães lembrou-nos de uma coisa importante. Os colunistas da grande imprensa vivem acusando alguns blogs de receberem dinheiro público, via banners de estatais ou governos. Ora, esses banners são um patrocínio transparente, e correspondem a alguns caraminguás, enquanto os milhões transferidos de governos tucanos à Veja, e outros órgãos de mídia, são contratos obscuros. Sem contar que a publicidade pública ainda é tremendamente concentrada nos mesmos grandes órgãos de mídia, o que colabora para a concentração da mídia. Esperemos que as revelações bombásticas da operação Monte Carlo, que mostra a revista Veja agindo em conluio com bandidos, visando desestabilizar a república e agredir a democracia, resultem, ao menos, na declaração de inidoneidade da revista, impedindo-a de continuar recebendo recursos públicos.
- A liberdade de expressão no Brasil é incomensurável e há quase um consenso entre os principais agentes políticos de que esta liberdade representa a essência mais bonita e importante da nossa democracia. A Veja, portanto, pode continuar publicando o que lhe convier. Os prejudicados sempre poderão acessar a Justiça e requerer seus direitos. Talvez um dia tenhamos um órgão que defenda a sociedade contra os desmandos dos grandes grupos de mídia, como há na Inglaterra e quase todos os países desenvolvidos. Enquanto isso não chega, o mínimo que se espera é que o Estado não mais financie, com nosso dinheiro, publicações mancomunadas com o que há de mais sinistro na política nacional.
*
Brizola Neto foi nomeado, finalmente, Ministro do Trabalho. Estou
aliviado, porque há algumas semanas, fiz uma longa análise sobre o
significado político desta escolha, que iria para o ralo caso ela não se
concretizasse.
*
O Estadão descobriu
(e lamenta-se por isso) que a política externa de Dilma segue a mesma
orientação da gestão anterior. Eu nunca duvidei disso, porque não havia
nenhum fato concreto que indicasse o contrário. A mídia produziu um
montão de factóides baratos sobre “rupturas”, e jogou pesado para
confundir a opinião pública, tentando sempre criar um conflito entre
Lula e Dilma, e entre lulistas e dilmistas. Como Dilma ainda não tido
tempo de criar uma militância tão numerosa como a de Lula, a estratégia
de jogar Dilma contra Lula serviu para desgastar a presidente junto à
militância incauta.
Por exemplo, numa de suas viagens aos EUA, os repórteres perguntaram
se Dilma aprovava a decisão do Irã de “apedrejar” mulheres. Ora, Dilma
respondeu que não, obviamente. A mídia nacional e mesmo internacional
logo transformou uma resposta óbvia na maior (e única) prova de que a
presidente iria romper a política externa brasileira em relação ao Irã.
Mais tarde, quando houve uma votação na Comissão dos Direitos Humanos
sobre enviar um relator ao Irã, o Brasil votou a favor. Mais uma vez,
produziu-se o factóide de que houve uma ruptura. Não houve. O Brasil
sempre foi a favor de que pressões contra o Irã se dessem na Comissão de
Direitos Humanos da ONU. Aí sim haveria espaço para pressionar o Irã
com legitimidade, porque o país, efetivamente, tem casos terríveis de
violação de direitos humanos. Quando houve uma votação na Assembléia
Geral, todavia, o Brasil coerentemente posicionou-se fortemente contra
sanções econômicas ou políticas ao Irã.
A Folha chegou a cometer o desplante de tratar uma declaração
informal de um funcionário de segundo escalão do governo iraniano, e
ainda por cima um sujeito que está com um pé na cadeia, por ter ofendido
o aiatolá, como “posição oficial do governo iraniano” e tentar criar
uma crise diplomática. Desde então, o governo iraniano tem feito
declarações formais, enfáticas, elogiando a presidente Dilma Rousseff.
Não que elogios do Irã tenham grande valia, mas servem como prova de que
não houve nenhuma ruptura. O Brasil ainda é respeitado como um país que
mantém uma política externa altiva e independente, sendo respeitado
igualmente por Irã, União Européia, China e EUA.
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