No final de 2011 liguei a televisão algumas vezes em programas rotulados como telejornais e me enchi de lembranças de outros tempos que a juventude atual poderia até rotular como “de vidas passadas”, porque parecem muito antigas. Mas não são tão antigas assim.
O que me provocou umas lembranças divertidas foi uma matéria sobre a Mega Sena de fim de ano, com a clássica pergunta dessa época de falta de assunto: “Se você ganhasse sozinho, o que faria com a grana?”.
A resposta era sempre um festival de mesmice: comprar uma casa era a mais comum, por pessoas que tentavam parecer “responsáveis” e merecedoras. Outra resposta era aquilo de “ajudar todo mundo”, uma falsidade. E uma resposta muito besta, natural do nosso tempo de culto ao automóvel, em que se gasta mais tempo para ir de carro a alguns lugares do que a pé: “Comprar um carro para cada filho”.
Pois é. Primeiro, lembrei-me de um órgão público em que fiz uns trabalhos. Tinha um sujeito que era semianalfabeto, mas com um alto cargo, muitíssimo bem remunerado. Arriscaria a dizer que o salário seria equivalente a uns R$ 10 mil de hoje. Sua única função real era fazer o bolão da loteria esportiva entre os colegas.
Como era possível alguém ganhar do Estado para isso? Bom, era amigo dos militares. Fiquei pensando nas pessoas que ficam falando que os funcionários públicos de hoje não trabalham e esbravejando que no tempo dos militares não tinha corrupção.
A loteria esportiva foi a primeira depois das tradicionais loterias federal e estaduais, em que se comprava (existem ainda, mas sem charme) bilhete com valores fixos de premiação. E durante um bom tempo era a única desse estilo, de preencher um volante e jogar na casa lotérica.
Então, lembrei-me também que no início da loteria esportiva – na época, uma novidade –, durante várias semanas ganhava uma pessoa, às vezes duas, sempre uma boa bolada. Interessante era que quem ganhava geralmente não entendia nada de futebol, pois quem entendia jogava sempre prevendo vitórias dos grandes times, mas sempre ocorriam zebras. Quem não entendia nada, achava bonito o nome de um time e jogava nele… Daí houve uma série de ganhadores surpreendentes, como uma lavadeira, um vaqueiro….
E as pessoas sonhavam com o que fariam se ganhassem. Uma vez, depois de uma série de edições em que ganhavam no máximo três apostadores, soube de um cara que odiava o chefe autoritário e, quando viu no final da noite de domingo, tinha ganhado. Planejou uma coisa que muita gente sonha, e cumpriu na segunda-feira de manhã: chegou ao trabalho, entrou na sala do chefe, subiu na mesa e “defecou”, para usar um termo menos chocante.
Aí teve uma surpresa: veio a notícia de que mais de três mil pessoas ganharam na loteria esportiva. Foi a primeira vez que aconteceu isso. E o prêmio, dividido por esse bando, foi uma mixaria para cada ganhador. Ficou sem dinheiro e sem emprego. Outros fizeram coisas semelhantes e dançaram também.
Uma noite, tomando cerveja num bar da entrada da Cidade Universitária, surgiu o assunto besta e recorrente: o que você faria se ganhasse sozinho na loteria esportiva?
Uns faziam elucubrações mirabolantes; outros falavam de projetos grandiosos, afinal todos nós éramos estudantes universitários. Aí chegou a vez do Heitor contar o que faria com o prêmio. Casado com a Teresa, todo certinho, ele começou:
— Primeira coisa: compraria um apartamento em Perdizes.
Provocou indignação:
— Ô, classe média!
— Segunda coisa: compraria um Corcel zero quilômetro.
Levou vaia. De novo, os velhos sonhos de gente da classe média.
— Terceira coisa: compraria uma butique numa galeria da rua Augusta, que desse renda líquida de uns dois mil dólares por mês.
Aí já tinha gente querendo vontade de bater nele, que respirou fundo e falou:
— Então dava tudo isso pra Teresa e me mandava pra cair na gandaia.
— Eeeebaaaa! — enfim foi aplaudido com entusiasmo.
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