Xerocado do blog do LadoDeLá
Passei a tarde de domingo esperando para fazer um boletim de ocorrência de furto de veículo. Nada tão extraordinário assim, considerando que furto de veículo no estado de São Paulo é tão rotineiro quanto levar o carro para lavar. Naquela tarde, por exemplo, foram três veículos. Numa cidade de 60 mil habitantes.
Ao chegar à delegacia, dei de cara com o sujeto. Estava algemado, olhar cabisbaixo. Nunca tinha visto um estuprador de perto. E logo pensei: - Será que ele tem algo de diferente de nós? O quê? Parecia uma pessoa comum, como tantas outras... Talvez seja isso! Um estuprador é capaz de ser e agir como outra pessoa qualquer. O crime tinha acontecido hora antes em Valinhos. Ele violentou a vítima ameaçando-a com uma pequena faca serrilhada de cabo amarelo. Ela seguia com ele no carro pela Rodovia Anhanguera em direção a São Paulo. Será que pensava em matá-la? A cancela automática do pedágio não abriu e o carro da frente parou. Ele diminuiu a velocidade, o bastante para a garota abrir a porta e se jogar para fora.
Um carro de polícia vinha logo atrás e quase passou por cima dela. Começou a perseguição. Ele levou a pior, depois de bater em outro carro. Na delegacia, os policiais estavam excitados. Tão excitados quanto jornalistas diante de uma queda de avião, ou um pescador ao fisgar um dos grandes. Muitos guardas, doze ao todo, se cumprimentavam com entusiasmo. Tudo meio patético, para quem vê naquele fato algo tão revelador da nossa miséria existencial. Depois de lavrado o fagrante, o estuprador foi encaminhado à carceragem, para aguardar remoção para o Centro de Detenção Provisória de Campinas.
Neste momento, muitos fotografaram o acusado, espécie de troféu. A jovem repórter anotou cuidadosamente todas as informações e também pediu ao guarda que fotografasse o criminoso. Acho que preferiu não olhar diretamente para ele pela lente. Quando a delegacia esvaziou, Vera, a plantonista, ouviu um ruído na carceragem e foi checar. Voltou assustada e avisou: - O cara está tentando se matar! Pensei comigo: - A jovem repórter acaba de deixar a notícia atrás das grades, ensanguentada. Foi um corre-corre. Decidiram algemá-lo com as mãos para trás. Enquanto isso, o telefone tocava sem parar. Repórteres, esposas (três se apresentaram assim), a mãe e uma tia, que desabafou: - De novo! Quando puxaram a capivara do cidadão, lá estavam: duas condenações, uma de quatro anos e oito meses e a outra de dois anos e tanto. Ambas pelos mesmos crimes. Pensei: - Esse aí é caso perdido.
Um detalhe me chamou a atenção: - O guarda que o prendeu disse que o homem tinha voz afeminada, achou até que fosse "gay". Seria mais um caso emblemático de vítima de abusos na infância? Ninguém vai querer contar toda a história. E sabe por quê? Porque agora que ele está preso, ninguém quer mais saber.
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