"Dino pediu tanto ao MPT quanto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) que também analisem a terceirização excessiva nos hospitais. Para se ter uma ideia, em seu site oficial, o Hospital Santa Lúcia anuncia aos clientes que conta com “quase 1.200 profissionais” para atendimento.
Mas há apenas 31 médicos registrados no cadastro do Ministério da Saúde, nenhum deles com vínculo empregatício. Essa situação, além de ferir direitos trabalhistas dos médicos e demais profissionais de saúde, dificulta a regulação da carga horária."
A morte de Marcelo, 13 anos, filho de Flávio Dino,
ex-deputado-federal e presidente da Embratur, ajudou a expor a realidade
de precarização do trabalho médico – que não se limita ao serviço
público de saúde, mas avança pelos maiores hospitais privados em grandes
cidades como Brasília, São Paulo e o Rio de Janeiro.
Quando Marcelo faleceu no dia 14 de fevereiro, após ter dado entrada
no hospital com uma crise de asma (as razões ainda estão sendo
investigadas em inquérito da Polícia Civil), a médica que deveria
atendê-lo estava trabalhando há exatas 23 horas. Izaura Costa Rodrigues
Emídio havia saído de um plantão de 12 horas na UTI no Hospital de
Taguatinga, no dia 13 de fevereiro, às 19h, para cumprir mais outro
turno até a manhã seguinte na UTI do Hospital Santa Lúcia, onde estava
Marcelo.
Esta semana, Flávio Dino, que já foi juiz federal, entrou com
representação no Ministério Público do Trabalho pedindo abertura de
inquérito para apurar qual jornada os médicos vêm cumprindo no Santa
Lúcia. “Em verdade, cuida-se de questão de interesse de toda a
sociedade, já que profissionais exauridos, estressados, sem direitos
básicos e cumprindo jornadas de trabalho similares às de 300 anos atrás,
impactam diretamente na qualidade do serviço essencial que um hospital
presta – podendo gerar danos irreparáveis ou de difícil reparação”,
argumenta Dino, em sua ação. “Ou seja, mais do que repercussões
financeiras, as supostas “novas técnicas de gestão” e a ganância de maus
profissionais acabam por ameaçar ou destruir vidas humanas – o que
reforça a imprescindibilidade da atuação do Ministério Público”.
Até mesmo a comprovação da jornada é difícil, já que o trabalho
extenuante de médicos, enfermeiros e auxiliares é, muitas vezes, oculto
pela terceirização que precarizou as relações de trabalho nos hospitais.
Vale lembrar que a terceirização ilegal que é uma das piores chagas
deste país, estando presente do menor desrespeito aos direitos
trabalhistas ao trabalho escravo contemporâneo.
Uma simples pesquisa no Cadastro Nacional dos Estabelecimentos de
Saúde (CNES), mantido pelo Ministério da Saúde em sua página na
internet, mostra que, a soma de diferentes vínculos empregatícios
declarados por alguns médicos fazem a carga horária semanal chegar ao
total de 204 horas semanais. Mas e você multiplicar 24 por 7 terá como
resultado 168 horas. Está faltando dia na jornada médica.
Dino pediu tanto ao MPT quanto à Anvisa (Agência Nacional de
Vigilância Sanitária) que também analisem a terceirização excessiva nos
hospitais. Para se ter uma ideia, em seu site oficial, o Hospital Santa
Lúcia anuncia aos clientes que conta com “quase 1.200 profissionais”
para atendimento.
Mas há apenas 31 médicos registrados no cadastro do Ministério da
Saúde, nenhum deles com vínculo empregatício. Essa situação, além de
ferir direitos trabalhistas dos médicos e demais profissionais de saúde,
dificulta a regulação da carga horária.
Em 1998, o Santa Lúcia já havia sido obrigado a assinar um Termo de
Ajustamento de Conduta com a Procuradoria Regional do Trabalho se
comprometendo a incorporar como funcionários os trabalhadores que
prestavam serviço terceirizado de enfermagem dentro do próprio hospital.
No mesmo TAC, comprometia-se a não mais terceirizar atividades-fim,
tais como enfermagem. Não foi o único. Outros sete hospitais privados de
Brasília tiveram de assinar TACs com o Ministério Público no mesmo
período.
Mas os TACs parecem não ter surtido efeito. Na Justiça, o Santa Lúcia
já foi réu em cerca de 400 processos trabalhistas. E, na maior parte
das vezes, condenado a reconhecer vínculo empregatício com trabalhadores
que atuavam terceirizados dentro do hospital. É o caso da enfermeira
Leir da Silva Moura, que teve o vínculo reconhecido em 2011, num caso
que foi considerado “terceirização ilícita”, pela enfermagem fazer parte
da atividade fim do hospital. Leir era funcionária do Santa Lúcia em
1991, quando, segundo ela, foi obrigada a tornar-se sócia da Enfermagem
Centro Cirúrgico (ECC) S/C, que prestava serviços dentro do centro
médico.
A precarização das relações de trabalho dificulta a fiscalização da
carga horária. Em outro processo na Justiça do Trabalho, o hospital foi
condenado a pagar provimentos atrasados à médica Denise Pires. Ela
cumpria jornada regular das 13h às 19h30, sem intervalo, mas duas vezes
por mês trabalhava das 7h às 19h30.
O grupo empresarial composto pelo Santa Lúcia e outros três hospitais
no Distrito Federal continua a responder a inquéritos civis e ações
trabalhistas por um modelo de gestão que fere direitos dos médicos e
precariza atendimentos. Alguns podem elogiar modelos assim, dizendo que
são um exemplo de administração e otimização de custos. Afinal de
contas, é a economia, estúpido!
E enquanto mantemos antigas tradições, achando que os médicos
conseguem produzir o mesmo diante de jornadas malucas de trabalho,
mortes de jovens de 13 anos por asma serão apenas efeitos colaterais
aceitáveis.
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