sexta-feira, 4 de maio de 2012

Vai com Deus, amigo Tinoco, grande brasileiro

Via Balaio do Kotscho

...Aclamado pelo público, Tinoco não largou mais o microfone e desandou a falar, contando histórias da sua vida, como se estivessse no picadeiro de um cirquinho do interior no início da carreira. Fez o público rir e chorar ao brincar com sua idade um pouco avançada, certamente fazendo o emocionado Roberto Carlos se sentir um garoto ao lado dele...

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Capa do disco Loira Loirinha, de Tonico e Tinoco, lançado em 1982

Fiquei sabendo da triste notícia logo cedo quando minha filha Mariana Kotscho, também jornalista, me enviou esta mensagem:

"Estou triste. Morreu meu amigo Tinoco. Sim, posso dizer que era meu amigo. Aprendi a admirar as músicas de Tonico e Tinoco na infância graças ao meu pai, fã de música caipira. Sou feliz por tê-lo conhecido, entrevistado algumas vezes, me tornado amiga. Grande figura. Fico feliz por ter ajudado que ele fosse homenageado, ainda em vida, naquele show do Roberto Carlos com os cantores sertanejos. Tchau, meu amigo Tinoco. E parabéns por sua trajetória nesta vida. Beijos, Mariana Kotscho".

José Perez, o Tinoco, 91 anos e mais de 75 de carreira,viajou para o céu na madrugada desta sexta-feira, 4 de maio de 2012. Morreu num hospital público, na Mooca, onde morava, depois de sobreviver com muitas dificuldades nos últimos tempos.

É sempre difícil escrever sobre a morte de um amigo querido, ainda mais de uma figura desta grandeza, um dos maiores nomes da cultura popular brasileira em todos os tempos.

Durante seis décadas, ele formou com o irmão José Salvador Perez, morto em 1994, a dupla Tonico e Tinoco, a mais longeva e prolífica dupla da nossa música.

Quando eles completaram 50 anos cantando juntos, tive a oportunidade de entrevistá-los pela primeira vez, mas tive que pedir ajuda a um outro amigo, Octavio Frias de Oliveira, o dono do jornal, para cavar um espaço na "Folha Ilustrada". Os jovens editores da época não gostavam muito deste negócio de "música caipira".

Já sem Tonico, Mariana entrevistou Tinoco para o programa Almanaque, da "Globo News", e assim nossas famílias acabaram ficando amigas.

Reeencontrei Tinoco em Piracicaba, no interior paulista, onde ele iria cantar sozinho num sábado à noite e passamos o dia conversando. "Tinoco sem Tonico _ sozinho na estrada e nos palcos canta para viver, aos 88 anos", foi o título da reportagem publicada pela revista "Brasileiros", em setembro de 2009.

Naquela época, a situação do cidadão José Perez já era bem delicada. Com a mulher, a inseparável dona Nadir, no hospital, recém-operada de câncer no pâncreas, ele vivia dos seguintes rendimentos:
* Aposentadoria de R$ 1 mil por mês no INSS.

* Cerca de R$ 2 mil de direitos autorais, pagos a cada três meses, pelas suas mais de 1.200 composições em parceria com Tonico, gravadas pela dupla e por outros cantores, em milhões de discos (nem ele mesmo sabe quantos foram vendidos).

* Um cachê de R$ 2.500 brutos por show para se apresentar nos sorteios semanais da Loteria Estadual Paulista (despesas de viagem por conta dele). Pouco tempo depois, esta loteria acabou e ele perdeu parte do seu ganha-pão.

* Um ou outro show em festas de casamento ou batizado, casas de fazenda ou eventos no interior, onde não tinha cachê fixo, ganhava o que podiam lhe pagar.

Em busca de trabalho, viajava pelo interior paulista com seu único filho, José Carlos, que acumulava as funções de motorista, empresário e operador de som. Quando a situação apertou, tiveram que passar uma rifa para sortear o único bem deles, um Gol 1998.

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Tinoco é homenageado por Roberto Carlos / Foto: Luciano Trevisan

A última vez que nos encontramos foi em março de 2010, quando Tinoco foi homenageado por Roberto Carlos no show de que Mariana fala na abertura deste texto. Foi por indicação nossa ao amigo Luis  Erlanger, da TV Globo, que falou com Dodi Serena, empresário do "rei", que convidaram Tinoco a subir ao palco do ginásio do Ibirapuera naquela noite, ao lado de outros ídolos sertanejos.

Há tempos ele não se apresentava para uma platéia tão grande, diante do ginásio lotado. Escrevi aqui no Balaio no dia seguinte:

"Aclamado pelo público, Tinoco não largou mais o microfone e desandou a falar, contando histórias da sua vida, como se estivessse no picadeiro de um cirquinho do interior no início da carreira. Fez o público rir e chorar ao brincar com sua idade um pouco avançada, certamente fazendo o emocionado Roberto Carlos se sentir um garoto ao lado dele.

Com seu forte sotaque caipira, mandou ver: "Depois de velho, quando se vai fazer um show, a gente fala mais do que canta... Roberto, você poderia ser meu filho... Conheço este aqui desde criancinha... Eu dei de mamar para ele... Só na mamadeira... A minha cabeça está boa, mas o corpo já não acompanha... A gente não pode fazer tudo o que quer, só o que pode... O mais importante é o valor humano, é nunca perder a fé.... Estou falando muito, Roberto? Será que já tem alguém com sono por aqui?"

Quase uma da manhã de quinta, quando o espetáculo já estava terminando, Tinoco saiu do palco feliz, caminhando tão lentamente como quando entrou, levando nas mãos a placa que recebeu de Roberto Carlos, Chitãozinho e Xororó, em homenagem à sua longa carreira, que abriu o caminho para outras duplas e cantores sertanejos que se apresentaram nesta noite inesquecível".

O show era beneficente e boa parte da renda foi doada por Roberto Carlos a Tinoco.

Vai com Deus, amigo Tinoco, grande brasileiro. E leva um abraço ao Tonico.

 

 

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