Procura-se jornalista que devote suas energias à busca da verdade e não
dos holofotes, que saiba distinguir a diferença entre o personagem que é
noticia e aquele que transmite a notícia, que seja tão arejado a ponto
de compreender que a luz é boa não importa em que lâmpada brilhe.
Procura-se jornalista que esteja sempre prestes a levar consigo um
telescópio para o olho esquerdo e um microscópio para o olho direito de
forma a ver a realidade sobre ângulos variados e apto a celebrar que a
grande beleza da vida está no entendimento da rica diversidade humana.
Procura-se jornalista que seja especialista em cultura geral, que
escreva sobre o que entende e saiba o exato tamanho de sua ignorância
sobre o assunto que pretende abordar, que saiba fazer o artesanato dos
fatos, ideias e palavras, sem deixar pontas soltas nem fios
desencapados.
Procura-se jornalista que saiba distinguir entre liberdade de expressão,
de impressão, de pressão; que veja sua atividade não como o Quarto
Poder, mas sim como um serviço essencial à vida organizada da sociedade,
como um espelho do mundo dotado de visão e fala.
Equação biquadrada
Procura-se jornalista que seja generoso no uso dos substantivos e
parcimonioso no uso dos adjetivos, que em caso de dúvida não ultrapasse o
sinal vermelho da ética e do bom senso e que concorde que a ética do
jornalista é a mesma do marceneiro.
Procura-se jornalista que se sinta indignado e denuncie a quem de
direito qualquer empresário ou político, artista ou profissional liberal
que lhe acene ou lhe ofereça qualquer vantagem financeira em troca da
publicação de notícia favorável aos seus negócios, à sua carreira ou à
sua área de atuação político-partidária.
Procura-se jornalista que, em confronto com as forças da natureza,
testemunha ocular de eventos catastróficos, ocupe-se em ajudar a salvar
uma ou mais vidas, em socorrer e amparar feridos, e que seja sábio o
suficiente para deixar de lado obrigações contratuais imediatas como a
observância de data-limite para envio de matéria, tomada de fotos
específicas e que nunca pergunte a quem se encontra com a vida por um
fio “como você está se sentindo?”
Procura-se jornalista que tenha uma visão muito apurada do que é
justiça, ética, liberdade, democracia, equidade, bem-estar social,
distribuição de renda, mobilidade social, inclusão social, inclusão
digital, inclusão étnico-racial e que tenha uma sede de conhecimento
insaciável, sempre se atualizando sobre o estado da arte no mundo.
Procura-se jornalista que não resenhe livro sem antes tê-lo lido, não
critique filme a que não tenha assistido e não elogie álbum sem antes
ter escutado todas as músicas, que se orgulhe mais dos livros que leu do
que dos livros que escreveu e que saiba declamar “Navio Negreiro”, de
Castro Alves, cortar com a mão direita, equação biquadrada de segundo
grau, fração e saiba conjugar o verbo “resfolegar”.
Matérias arredias
Procura-se jornalista que não se submeta a qualquer forma de pressão,
seja ideológica ou econômica e que se apresente de hora em hora ante o
tribunal de sua consciência, o único dotado de poderes para julgá-lo de
maneira equânime.
Procura-se jornalista que seja tão bom na crítica quanto na autocrítica,
que entenda tanto da Ilíada de Homero como do efeito-estufa, que
entenda causas e efeitos das crises econômicas mundiais de 1929 e de
2009, que esteja bem familiarizado com índices e siglas como IDH (Índice
de Desenvolvimento Humano), FIB (Felicidade Interna Bruta), PIB
(Produto Interno Bruto), Índice de Gini, Dow Jones, Nasdaq.
Procura-se jornalista que possua senso crítico, conhecimento do idioma,
latitude de ação, humildade para conferir e voltar a conferir suas
anotações antes de enviar seu texto para publicação.
Procura-se jornalista que respeite os direitos do leitor, não rotule sua
opinião como informação, trate a informação de maneira imparcial sem
exigir credenciais ideológicas e que considere muito natural ouvir o
outro lado, principalmente quando se tratar de assunto que diga respeito
também à honorabilidade de personagens enfocados.
Procura-se jornalista que cultive a independência de pensamento, que não
deseje ser mais realista que o rei, mais católico que o papa, que
respeite a linha editorial de quem lhe propicia o emprego, mas que não
que renuncie à condição de ser pensante e esteja confortável tantas
vezes quantas forem necessárias para ser voto vencido em uma discussão
editorial.
Procura-se jornalista que apenas numa vista d´olhos saiba diferenciar
entre um escândalo real de corrupção e um escândalo pré-fabricado de
corrupção, que não empreste seu nome a reportagens tão arredias à
verdade dos fatos como os morcegos são à claridade do dia.
Pior tragédia
Procura-se jornalista que entenda a toponímia de São Luiz do Paraitinga,
Berlim e Caruaru, que compreenda que as cidades têm alma, que são mais
que meras aglomerações humanas, e que possa fazer ampla exposição sobre o
que são hidrônimos, limnônimos, talassônimos, orônimos e corônimos.
Procura-se jornalista que entenda tanto de Fernando Pessoa quanto de
Umberto Eco, que conheça amiúde as biografias e o pensamento vivo de
Winston Churchill e Boris Pasternak, Rui Barbosa e Cláudio Abramo, que
compreenda que a História é a também o relato encadeado da vida dos
grandes homens.
Procura-se jornalista que conheça em profundidade o que é um linotipo e
uma gralha, um tipógrafo e um scanner, um prefácio e um posfácio,
prolegômenos, uma composição bem feita, um hipertexto e uma nota de
rodapé, uma orelha e um texto indicativo, a gramatura do papel que se
tem na mão e a marca d´água, a folha de rosto e o que significa 1.844
terabytes.
Procura-se jornalista bastante familiarizado com a Declaração Universal
dos Direitos Humanos, que saiba relacionar seus artigos com a crítica de
políticas públicas para a população urbana e rural, para brancos e
negros, índios e ciganos, meninos nas creches e meninos de rua,
católicos e evangélicos, judeus, muçulmanos e bahá´ís, budistas e
hindus, seguidores do candomblé e do Santo Daime, espíritas e ateus.
Procura-se jornalista que entenda, de uma vez por todas, que a pior
tragédia na vida de um ser humano é aquilo que morre dentro dele
enquanto ele ainda está vivo.
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