Agora não tem mais jeito, não dá mais para esconder. A CPI, que
começou com o nome de Cachoeira (por que não Demóstenes?) e ameaçou
virar CPI da Delta, pode tomar um novo rumo, investigando pela primeira
vez, além de corruptos e corruptores, atividades nebulosas de setores da
imprensa brasileira.
Ao terminar de assistir à demolidora reportagem sobre as íntimas
relações entre Cachoeira, a Delta e a maior revista semanal do país,
exibida na noite deste domingo, no programa Domingo Espetacular, da TV Record, não tenho mais dúvidas: a "Veja" agora pode ser a bola da vez da CPI.
As gravações das escutas telefônicas, apresentadas com exclusividade
pelo repórter Afonso Mônaco, denunciam que o contraventor Carlinhos
Cachoeira não era apenas uma "fonte" da revista, como nós jornalistas
chamamos quem nos dá informações.
Cachoeira aparece também muito à vontade fazendo o papel de pauteiro e
até de editor da "Veja", sugerindo em qual espaço e data suas
"matérias" deveriam ser publicadas. Cinco capas da revista nasceram
assim, como mostram as gravações da Polícia Federal.
Após a publicação, comemorava com Cláudio Abreu, diretor da Delta,
também preso, o resultado do trabalho de Policarpo Júnior, um dos
redatores-chefes da revista, baseado em Brasília.
"Poli" ou "PJ", como era carinhosamente chamado por Cachoeira e
Abreu, foi o co-autor da denúncia sobre a corrupção nos Correios, em
2005, que deu origem à crise do mensalão. Por ordem de Cachoeira, o
jornalista da "Veja" recebeu de Jairo Martins, araponga do staff do
contraventor, o vídeo mostrando um diretor dos Correios, embolsando uma
propina de R$ 3 mil. Foi um trabalho de parceria.
Será que Carlinhos Cachoeira utilizou Policarpo Júnior apenas para
combater a corrupção nos Correios, preocupado com a moralidade nos
negócios públicos? Ficaria claro algum tempo depois que o "empresário de
jogos" fez isso para derrubar um grupo corrupto e colocar outro em seu
lugar nos Correios, mais afinado com seus interesses.
As gravações reveladas pelo Domingo Espetacular, mostram
também que foi o mesmo Jairo Martins quem forneceu à revista o vídeo do
hotel em que se hospedava José Dirceu em Brasília, utilizado, no ano
passado, para a capa "O poderoso chefão", episódio em que um repórter
subordinado a Policarpo tentou invadir o apartamento do ex-ministro.
Como se vê na reportagem, as relações entre Cachoeira e Policarpo são
antigas e variadas, mas até agora ainda pouco se sabe sobre o conteúdo
das mais de 200 ligações feitas entre os dois personagens e gravadas
pela PF.
O pouco que vazou até agora e a reportagem que a Record colocou no ar
domingo, no entanto, quebrando a cortina de silêncio dos barões da
mídia reunidos no Instituto Millennium, já foi suficiente para que tanto
o presidente da CPI, Vital do Rego, como o relator, Odir Cunha,
admitissem no próprio programa que a imprensa pode, sim, ser investigada
também.
Para o deputado federal Fernando Ferro, do PT de Pernambuco, não só o
jornalista Policarpo Júnior deveria ser convocado pela CPI, mas também o
proprietário da Editora Abril, Roberto Civita: "Na minha opinião, ele é
o principal responsável. Ele é o dono dessa revista, e ele operou com
vontade".
As famílias proprietárias da grande imprensa nem admitem ouvir falar
nesta possibilidade, ao contrário do que aconteceu com o magnata Rupert
Murdoch, convocado a depor em comissão do Parlamento britânico e agora
ameaçado de perder o seu império.
A direção da Abril não se manifestou oficialmente sobre o assunto até
o momento. Apenas foi publicada, na versão on-line, onde escrevem
alguns bate-paus da revista, uma espécie de "carta de princípios",
assinada pelo diretor de redação Eurípedes Alcântara, em que não cita
fatos nem nomes ligados ao escândalo.
Tudo poderá agora ser esclarecido pela CPI. É para isso mesmo que ela foi criada: investigar tudo e todos.
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