Até recentemente os historiadores desdenhavam os pobres. A
crônica do passado se fazia em torno de reis efeminados, alguns; corajosos,
outros; e efeminados e corajosos, poucos deles, como Ricardo Coração de Leão. Fazia-se também de santos, mas os
santos da Igreja, em sua maioria, foram recrutados entre os membros da classe
dominante na Idade Média, ainda que renunciassem à riqueza, como Francisco de
Assis, ou se fizessem mártires nas guerras que, de santas nada tinham, como as
cruzadas. Os santos modernos, com raras exceções, são militantes políticos
contra os pobres, como o fundador da Opus dei. E, é claro, os intelectuais, cientistas
e artistas sempre estiveram na comissão de frente do desfile da assim chamada
civilização.
Hoje cresce entre os acadêmicos a preocupação com a História vista “de baixo”, embora a razão
recomende não estabelecer o que seja alto ou baixo na construção do homem. É bom olhar o trabalho dos pobres, e
sua luta por justiça, como o sumo da História. Não foram os faraós que
construíram as pirâmides, mas, sim, os escravos; as grandes cidades modernas
podem ter sido imaginadas pelos arquitetos geniais, mas não sairiam das
pranchetas sem as mãos ásperas dos pedreiros, armadores e carpinteiros. O mundo
virtual, abstrato, dos pensadores, pode prescindir do trabalho pesado, mas a
doma da natureza, com a agricultura e o pastoreio, e sua transformação em objetos tangíveis, são conquistas do trabalho
penoso.
Dos trabalhadores que hoje estão comemorando o primeiro de
maio, poucos sabem exatamente como surgiu essa tradição.
Ela se deve a uma das primeiras greves organizadas nos Estados Unidos, em 1886.
No dia 3 de maio, em greve havia algum tempo, os trabalhadores de uma indústria
de máquinas colheitadeiras, a McCormick Harvesting Machine Company, formaram
piquetes diante dos portões da fábrica e foram dissolvidos por fura-greves e
policiais, com a morte de vários operários e a prisão de dezenas. Como
protesto, eles se reuniram no dia seguinte, na praça do Heymarket, no centro da
cidade.
Entre outras reivindicações, os grevistas exigiam a fixação da jornada do trabalho em oito horas diárias. Os
patrões, como fazem até hoje, organizaram pelotões de fura-greves, garantidos e
protegidos pela polícia. Houve o conflito, com os grevistas se defendendo como
podiam, e uma bomba explodiu, matando sete policiais. A polícia atirou, matou
muitos trabalhadores e buscou suspeitos. Um líder dos trabalhadores, August
Spies, embora provasse não estar no local, foi, com três outros, também vistos
como inocentes, condenados à forca, e executados em 11 de novembro do ano
seguinte. Um dos presos matou-se. Os três que conseguiram escapar do cadafalso
foram perdoados, em 1893, pelo governador de Illinois, John P. Altgeld. O
movimento sindical, que existia, de forma dispersa e débil, desde a presidência
de Andrew Jackson, tomou corpo, a partir do episódio, com a reorganização da American Federation of Labor.
O século 20 começou com a criação
de sindicatos de trabalhadores, com mais vigor nos Estados Unidos e na
Inglaterra (com o incentivo do conservador Disraeli), e na Alemanha. Foram as
lutas dos trabalhadores que moderaram, um pouco, a avidez dos capitalistas
liberais. Essas lutas se iniciaram em 1848, tiveram impulso com a Comuna de
Paris, em 1871, e tiveram a sua grande data no massacre do Haymarket e suas
conseqüências, em 1886.
Na luta contra a Depressão dos anos 30, os países
ocidentais (na União Soviética a situação
era outra) procuraram incentivar o sindicalismo e contar com seu apoio. Hitler
decretou, no dia 1º de maio de 1933, que a data seria festejada sob o nazismo
como o Dia do Trabalho. No dia seguinte, fechou todos os sindicatos, prendeu
seus líderes e iniciou a perseguição
aos socialistas e comunistas. Nos Estados Unidos e no Canadá, a fim de
desvincular a comemoração do
massacre de maio, a data escolhida foi a da primeira segunda feira de setembro.
O movimento sindical, para ser autêntico, não deve
atrelar-se aos governos, ainda que, na defesa do interesse dos trabalhadores,
possa apoiar essa ou aquela medida dos estados nacionais. Foi a luta dos
trabalhadores ingleses que criou o Labour Party na Inglaterra, em 1906,
e conseguiu as reformas legais que permitiram o grande desenvolvimento
econômico e político da Grã Bretanha, e a levaram ao grande desempenho bélico
na Primeira e na Segunda Guerra Mundial.
Os historiadores começam a deixar os papéis dos gabinetes
oficiais e as alcovas da nobreza, a fim de encontrar os verdadeiros agentes da
civilização, no que ela tem de
melhor, no estudo da vida e da resistência dos pobres contra a opressão. É hora
de que se faça o mesmo em nosso país. É mais importante estudar a resistência
dos brancos miseráveis do Brasil Colônia, que valiam menos do que os escravos,
posto que os últimos, como bens de produção,
tinham valor de mercado, e dos próprios cativos, do que imaginar como eram os
encontros galantes de Pedro I com a Marquesa de Santos. Foi o suor dos
desprezados que deu liga à argamassa de nossa nação
– e de todas as outras nações.
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