Para Carolina B Loureiro
Aos demais raros e caros leitores desse Saúva esclareço que
este texto é resultado de um debate havido entre eu e Carolina B Loureiro no
Facebook por conta do Julgamento da AP
470 no STF, razão pela qual ele está redigido em forma de resposta direta, mas
está – é claro – aberto para comentários de todos.
Cara Carolina
Primeiro de tudo preciso dizer que divido com você as
esperanças de ver toda a sociedade brasileira sustentada pelos melhores princípios
éticos e morais. Mas certamente divergimos na forma de manifestar essa
esperança a começar que você entende que este modelo ideal de sociedade já está
estabelecido por conta do resultado deste julgamento enquanto que eu acho que
ainda precisamos caminhar muito na direção de aperfeiçoarmos nossa cidadania e,
além disso, por enquanto eu considero esse julgamento em si mesmo uma prova inconteste
do quanto se pode manipular um povo e agredir os mais básicos direitos
individuais.
Não vou fazê-la perder tempo e nem aos demais leitores com todas
as discrepâncias jurídicas havidas até agora, e que já estão exaustivamente
comentadas por juristas especializados nesse assunto. Pulemos essa parte, portanto. Embora seja
importante anotar mais uma: Barbosa e Gurgel querem a prisão dos condenados antes,
(antes! antes!) do segundo turno das eleições!! Uma especie de prisão preventiva. Procure por ai e veja se você encontra
subsídios pra isso. Para mim é apenas para exibi-los algemados.
Difícil acreditar que os doutos ministros estão concentrados
apenas em sua tarefa de produzir justiça. Difícil acreditar que eles não estão
vendo o direcionamento com viés justiceiro que está sendo dado a esse assunto. Mais
difícil ainda é admitir que pessoas que supostamente são muito mais dadas a
conciliações antes de condenações usarem o vocabulário que andam usando quando referem-se aos réus e ao partido a que
estes pertencem, dando oportunidade aos falsos moralistas e legalistas usarem
este mesmo vocabulário para condenar o mais de um milhão de militantes do mesmo
partido.
Difícil acreditar que tudo isso é apenas coincidência. A
estes doutos juízes cabe a serenidade e a ponderação justamente para que não se
faça mal uso do que deveria ser apenas a punição de duas dúzias de
criminosos e não do resto todo, como eu já
disse, do mais de um milhão de pessoas que militam no PT.
Como é possível se fazerem de inocentes quando estão dando combustível
para que se queimem em fogueiras inquisitoriais os milhares de candidatos petistas
Brasil afora que nada tem a ver com esse imbróglio?
Não é constrangedor ver os ministros dando entrevistas como
se fossem pop stars antecipando seus votos, dando explicações por que votaram
assim ou assado? Eles não deveriam fazer
isso apenas quando o caso estivesse encerrado? Talvez isso não seja uma
obrigação legal, mas é certamente uma obrigação ética e moral.
Eu não me iludo: não veremos tão cedo outro espetáculo de
julgamento tão açodado em nome e valores poucas vezes praticados por quem acusa.
Cara Carolina esse caso está servindo apenas para que
reflitamos um tanto mais sobre o comportamento político de todo o povo
brasileiro.
Muitos de nossos mecanismos e procedimentos que orbitam em
torno da política precisam ser revistos. É cada vez mais necessário, por
exemplo, pensar em financiamento publico de campanhas. Já notou como nossas
campanhas políticas são cada vez mais caras? Do jeito que estão concebidos os
financiamentos, não se pode escapar de favores, cabrestos e compromissos
inconfessáveis. Isso pode permitir em um futuro breve a transfromação de nossa democracia em uma plutocracia. Aliás, as campanhas eleitorais são cada vez mais eventos midiáticos
e marqueteiros do que exposição de idéias e planos.
A fidelização partidária precisa ser, na pratica, mais
condizente com esse nome. Do jeito que está leva a população a preferir
isolar-se da política, pois é de fato impossível entender essa sopa de letras que são as siglas
dos partidos sempre diferentes entre si a depender se as coligações são
municipais, estaduais ou federais.
Precisamos começar a perguntar sobre o amontoado de
privilégios que são concedidos os detentores de cargos públicos de todas as esferas
e instancias. Sejam no executivo, no legislativo no judiciário e em todas as
repartições, ministérios, secretarias e o que mais houver. Salários nababescos
e suas aposentadorias integrais, garantias vitalícias, isonomias, regalias inimagináveis
para os brasileiros em geral, infinitas possibilidades de reeleição, tudo isso
traz um tanto de impunidade para privilegiados. Ao mesmo tempo em que os torna
como uma espécie de escudos e fachadas para os malfeitos. Estimulam o
corporativismo e a legislação em causa própria.
E falando em corporativismo veja aqui neste endereço
e note que pelo menos duas pessoas alegaram razões de foro intimo para não
ocupar a relatoria do processo que, no MP, pretende julgar a conduta de Demóstenes
Torres.
Precisamos enxergar que padrões e comportamentos que antes
compunham a ética e a moral de forma absoluta hoje são relativizados. Talvez
seja exagerado dizer que houve uma deterioração no comportamento humano, mas é
certo que houve um nivelamento diferente quando se compara com um tempo em que
lealdade e fidelidade eram virtudes indispensáveis para o caráter de qualquer
um.
Estão ai a mídia com seu poder nunca antes imaginado pautando
os principais assuntos do cotidiano brasileiro, passando como tratores por cima
de hábitos e costumes: o que antes era bom agora é ruim e vice-versa.
É por essas e outras que acredito que nem sempre a isenção
está presente em julgamentos. Sempre tem um lado, um interesse, uma crença, um
ideal que, devidamente relativizados, fazem prevalecer o juízo de quem tem o
poder.
Mudaram-se conceitos, mudaram-se visões e mudaram-se
entendimentos. Precisamos mudar também o modo e a quem atribuir o fiel da
balança e a guarda dos nossos direitos e deveres.
Acredito que seja nessa direção que caminham aqueles tidos
como progressistas e que se propõem a debater mudanças afinadas com o novo modo
de pensar que aos poucos vai abandonando os individualismos,os credos, os
preconceitos e as superstições. Já passou
da hora de fazer valer a cidadania em lugar das conquistas pessoais. Precisamos
parar de dividir a sociedade entre winners
e losers. Já é mais do que tempo de se pensar em humanização no lugar de
globalização. Temos que revitalizar valores já excessivamente desgastados pelos
incontáveis exemplos de egoísmo, orgulho e medo de mudanças.
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