A palavra da hora em Brasília é blindagem. Está tudo blindado para
que nada aconteça de imprevisto. Mas se é para ser assim, por que
criaram a CPI do Cachoeira, com o apoio da ampla maioria de
parlamentares de todos os partidos, na Câmara e no Senado?
Se for para investigar só a holding da contravenção montada por
Carlinhos Cachoeira, é perda de tempo, pois a Polícia Federal e o
Ministério Público já fazem isso há dois anos, apuraram tudo, o
inquérito foi enviado ao STF e o acusado está preso.
Seu parceiro e braço parlamentar, o quase ex-senador Demóstenes
Torres, já está no corredor da morte política só esperando a hora da
degola.
Depois de três meses de vazamentos deste inquérito noticiados
diariamente pela imprensa, esperava-se que a CPI fosse ampliar o leque,
investigando outros tentáculos do grande polvo da corrupção criado por
Cachoeira nos três poderes, em grandes empresas privadas e na imprensa,
mas o relator Odir Cunha (PT-MG) já avisou nesta quarta-feira, logo na
abertura dos trabalhos, que podemos tirar o cavalinho da chuva.
"A agenda prioritária buscará caracterizar a organização criminosa do
senhor Carlos Augusto Ramos", decretou Cunha. E ainda é preciso
caracterizar alguma coisa depois de tudo o que já foi apurado?
Nós temos o direito de saber o que ainda não veio a público, ou ficou
escondido nos rodapés dos jornais _ como, por exemplo, as relações do
contraventor com setores da imprensa, uma tabelinha entre fontes e
repórteres que atendia a interesses comuns.
Antes que os integrantes da CPI armassem seu esquema de blindagem
para proteger aliados, os principais orgãos da imprensa brasileira já
tinham feito o mesmo, defendendo em bloco e atacando em massa. A
participação de profissionais e veículos na história simplesmente sumiu
do noticiário.
A dobradinha formada por Cachoeira e jornalistas da revista "Veja"
ficou evidente em pelo menos dois episódios que provocaram as maiores
crises políticas no governo Lula: a gravação da conversa do
contraventor com Valdomiro Diniz, assessor do então ministro José
Dirceu, e as cenas da corrupção flagradas nos Correios, que deram origem
ao mensalão.
Nos dois casos, o contraventor ofereceu de bandeja aos profissionais
da revista as imagens em que se basearam as denúncias, gravadas por
arapongas a seu serviço, mantendo a partir daí uma relação constante
para plantar notícias.
Isso não mereceria pelo menos uma investigação? Até que ponto o
grande bicheiro tinha influência sobre o que a revista publicava ou
deixava de publicar para atacar inimigos e defender interesses comuns?
Bastaria comparar o conteúdo e a época das gravações das conversas
mantidas por seus jornalistas com Cachoeira e o que foi publicado pela
"Veja".
Pelo jeito, não pensa assim o relator Odir Cunha, que já prometeu não
fazer uma "caça às bruxas", excluindo juízes, jornalistas e
procuradores do rol de pessoas que devem ser convocadas pela CPI. Se não
quer caças as bruxas, vai caçar o que? As princesas?
Dos poucos parlamentares que ainda insistem no assunto, o deputado
Paulo Teixeira, ex-lider do PT na Câmara, quer ouvir jornalistas que
"foram cooptados pelo esquema Cachoeira". Sem citar nomes, Teixeira
disse à Folha que "isso tem que ser investigado pela CPI".
A simples menção de serem ouvidos também jornalistas pela CPI já
provocou uma gritaria danada de colunistas e editorialistas amestrados,
acenando com a ameaça de volta da censura e restrições à liberdade de
expressão, como de costume.
Na Inglaterra velha de guerra, ninguém pensa assim. Velhos homens de
imprensa não são considerados inimputáveis. Ainda na terça-feira, o
Parlamento britânico divulgou um relatório considerando Rupert Murdoch,
81 anos, um dos maiores magnatas da mídia, "inapto a comandar uma grande
empresa multinacional".
Murdoch já estava sendo investigado desde julho do ano passado, após a
denúncia de que um dos seus jornais, o tablóide "News of the World",
grampeava celulares de celebridades para obter informações. E não foi
publicado nenhum editorial contrário às investigações e em defesa da
liberdade de expressão.
Aqui no nosso Brasil, a Associação Nacional dos Jornais, entidade
patronal que lidera o combate a qualquer tentativa da sociedade de
regulamentação da imprensa, publica hoje um anúncio em comemoração ao
Dia Mundial da Liberdade de Imprensa.
O título: "Liberdade é assim: quanto mais você tem, mais difícil viver sem ela".
Se fossem mais fiéis aos fatos, melhor fariam se mudassem este texto para:
"Liberdade é assim: quanto mais nós (da ANJ) temos, mais nós (da ANJ) queremos ter".
Porque, na verdade, liberdade de imprensa deveria ser um bem de toda a
sociedade, mas o que temos no Brasil hoje é a liberdade de empresa para
meia dúzia de famílias tradicionais que dominam o setor.
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